sábado, 19 de dezembro de 2009

Saramaguiar...


... em excerto tão cereteiro (também) nos tempos que correm.

(Itálicos meus).





…, Não sei se fui escolhido, mas algo sei, sim, algo devo ter aprendido, Quê, Que o nosso deus, o criador do céu e da terra, está rematadamente louco, Como te atreves a dizer que o senhor deus está louco, Porque só um louco sem consciência dos seus actos admitiria ser o culpado directo da morte de centenas de milhares de pessoas e comportar-se depois como se nada tivesse sucedido, salvo, afinal, que não se trate de loucura, a involuntária, a autêntica, mas de pura e simples maldade, Deus nunca poderia ser mau ou não seria deus, para mau temos o diabo, O que não pode ser bom é um deus que dá ordem a um pai para que mate e queime na fogueira o seu próprio filho só para provar a sua fé, isso nem o mais maligno dos demónios o mandaria fazer, Não te reconheço, não és o mesmo homem que dormiu antes nesta cama, disse lilith, Nem tu serias a mesma mulher se tivesses visto aquilo que eu vi, as crianças de sodoma carbonizadas pelo fogo do céu, Que sodoma era essa, perguntou lilith, A cidade onde os homens preferiam os homens ás mulheres, E morreu toda a gente por causa disso, Toda, não escapou uma alma, não houve sobreviventes, Até as mulheres que esses homens desprezavam, tornou lilith a perguntar, Sim, Como sempre, às mulheres de um lado lhes chove, do outro lhes faz vento, Seja como for os inocentes já vêm acostumados a pagar pelos pecadores, Que estranha ideia do justo parece ter o senhor, A ideia de quem nunca deve ter tido a menor noção do que possa vir a ser uma justiça humana…




José Saramago
Caim

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Muita Saúde... e Amig@s Também


Ainda que atrasados, ficam os parabéns ao Via Fáctea pela repetição do aniversário.

Para continuar a: abichanar, abraçar, acordar, agradecer, alegrar, amar, concordar, denunciar, desmontar, elogiar, encorajar, escutar, festejar, ironizar, libertar, mulherizar, partilhar, rabujar, relembrar, vomitar... evitando o silêncio (ou com ele fazendo barulho, se necessário for), às vezes sem etiqueta possível e, sempre, mas mesmo sempre, procurando disfarçada mas entusiasticamente todas as etiquetas da vida.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sem esquecer o(s) Laço(s)



Nas palavras maravilhosamente pensadas e cantadas por Barbara. Única, uma vez mais.

Num mar de estigmas em que o(s) Laço(s), quando verdadeiros, são a vacina e a cura possíveis.


Si s'Aimer d'Amour,
C'est mourir d'Aimer,
Sont mourus d'Amour,
Sida Sidannés,

Les Damnés d'Amour,
A mourir d'Aimer,
Ils sont morts d'Amour,
D'Amour Sidanné,

O Sida Sida,
Danger Sida,
O Sida Sida,
Sid'Amour à Mort

O Sida,
Sid'assassin recherché,
Mais qui a mis l'Amour à Mort,
Mon Amour malade,
Ma douleur d'Aimer,
Mon Damné d'Amour,

Sida Sidanné,
A vouloir t'Aimer,
Amour à mourir,
J'en mourrais peut-être,
Amour Sidanné,

O Sida Sida,
Danger Sida,
O Sid'Amour à Mort,
Maladie d'Amour,

Où l'on meurt d'Aimer,
Seul et sans Amour,
Sid'abandonné,
A pouvoir encore,
S'Aimer d'Amour,
A en mourir d'Aimer,
A guérir ce mal d'Amour,
Qui nous a fait mourir,

Sid'abandonné,
Si s'Aimer d'Amour,
C'est mourir d'Aimer,
Sont mourus d'Amour,
Seuls et Sidannés,
Les Damnés d'Amour,
A vouloir s'Aimer,

Ils sont morts d'Amour,
Sid'assassinés.


Sid'Amour - Barbara, 1987


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

And the Oscar goes to...


- Escreveu alguma coisa sobre gays?
- Sim, uma vez.
- Falou no casamento gay?
- Sim, quando me puseram dois palermas à frente e me deu jeito tocar no assunto para as audiências se manterem.
- Então tome lá, tome… vá, tome… um Prémio!
- Um prémio!?…Mas… até fico espantado…!
- Não interessa, vá, venha lá que é giro, fica bem nas fotos, tem imensa piada e fez tanto pela nossa causa que não pode recusar.
- Ok, ok.

Who's next?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Odette


Eis uma campanha verdadeiramente feliz, mais ainda porque são raras.

Depois de um concurso, como se vê, bem sucedido, com mais informação aqui.

Bravo, Têtu; Bravíssima, Odette (a minha favorita e, certamente, a da maior parte das pessoas que vir as três imagens vencedoras).

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Quem continua a dizer que é feio!!!????



Depois de já ter dito isto, isto ou isto, há-de estar para vir quem me convença, olhando a foto publicada numa excelente reportagem sobre a Diva no Ípsilon de hoje, que fumar é feio!
Venham os argumentos (e, claro, não vale contra-atacar com o facto de poder matar, que contra isso obriga a lógica que nada diga).

Linda!

sábado, 26 de setembro de 2009

"Outras Gripes"


Brincando, como só ele consegue. LOLOL.


O que Marilyn Manson pode garantir é que, apesar de ter contraído a gripe A, não fez sexo com um porco. Uma coisa é certa: o vírus H1N1 não afectou a ironia do músico norte-americano. «Infelizmente, vou sobreviver», anunciou o próprio no Facebook. «Portanto, foi-me diagnosticada oficialmente, por um médico verdadeiro, a gripe suína. Sei que toda a gente vai sugerir que apanhei a doença a ter sexo com um porco. Todavia, o médico disse que as minhas escolhas passadas relativamente às mulheres não contribuíram 'de forma alguma' para eu apanhar esta doença misteriosa», escreveu.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Arejamento Democrático


“… os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha…; [a História de Portugal foi sempre] repartida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível (ou sejam, as liberdades dos outros, tão respeitáveis como a de cada um) e o desejo de ter-se um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, um partido ou D. Sebastião”.

Jorge de Sena – Sermão da Guarda, 1977

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

My Diva


E quero lá saber de juízos sobre a "parolice", o "envelhecimento", a "fraca qualidade musical", a "decadência" ou outras balelas a respeito de uma das minhas divas!
Clico aqui quando me dá na realíssima gana e é um facto que fico melhor.
Sempre linda de morrer, sempre esta voz achocolatada que me faz falta.
You're back, dear Withney! Yeahhhhhh!

sábado, 15 de agosto de 2009

Entre Gay e Queer...





... como já aqui se pode ler em maior extensão e por outras palavras. E como Sérgio Vitorino, que gentilmente cedeu o texto, diz tão acutilantemente.



"Eu não estou para lá da identidade. Desconstruo racionalmente, mas sou homossexual e oprimido como tal, e isso identifica-me. Uma pessoa (hetero ou homo) que não tenha sentido a homofobia na pele pode "entender" isso, mas não pode vivê-lo. E pode declarar que somos todos homossexuais, até é verdade que somos todos directa ou indirectamente alvo da homofobia, mas não pode querer apagar-me a identidade de homossexual, que é minha e não partilhada por si, e que é a pulsão básica que me junta a outras pessoas para lutar contra a homofobia, independentemente de também abraçar outras causas e de também as outras discriminações me mexerem com o sistema, mas não da mesma forma como esta me atinge e como a apreendo no quotidiano".




quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Wie Getz !!!!!?????


Brüno fez-me rir até às lágrimas. Tanto quanto me levou, como consegue fazer o melhor humor, à introspecção de seríssimas verdades. Brüno foi, para mim, a inusitada experiência de poder rir-me, como nunca, das heterossexualidades. É isso que o filme nos oferece, além de outras sérias paródias e é isso, afinal, que me faz recordá-lo como um momento em que o mundo, felizmente, me foi dado de cabeça virada para baixo. Estou cansado, como estaremos tant@s de nós, de ver gays parodiados, ridicularizados, eleitos como “o assunto”, sem que depois nada aconteça para que se perceba a intenção da paródia, da ridicularização, da eleição singularizada no encarceramento do estereótipo pobre e limitador (que o é sempre, por definição). Não vi em momento algum que este filme padecesse desse mal.
Brüno é tanta gente que conheço, mas que não se conhece como ele próprio é capaz de conhecer-se. É o exasperadíssimo explorador da fama fácil, mediaticamente enxovalhada e enxovalhante; é a orgulhosíssima vítima do mais fácil e insatisfatório materialismo, pisando todos quantos lhe destruam essa vontade; é o banalíssimo sujeito do mundo ridículo em que vivemos, um mundo mais banal do que nós mesm@s; é o passivíssimo receptor das impostas e categoriais vontades sexuais, que por impostas e redutoras serem nada representam de vontade; é o sujeito de uma psicologia que (ainda!) julga ser psicologia quando aconselha que se trate e o força à mais ridícula das encenações do que não consegue ser; é o incessantemente incapaz de ceder aos tratamentos, revertendo-os para quem mais deles precisa quando tenta tratar o que não se trata; é o soldado irritantíssimo para uma tropa cega que nunca foi capaz de encontrar-se nas irritações a que se impôs e que tiranamente impõe; é o pretensiosíssimo adoptante que pretende um gayby em vez de um baby. Digam-me, da forma mais sincera, se tudo isto é paródia gratuita e pornográfica (como algumas estreitíssimas e desatentas críticas quiseram defender), ou se é o que estamos a viver, de forma tão perigosa e historicamente tão arrastada que um humor trabalhadíssimo e arrepiante pode trazer-nos à consciência, não pelos disparates cinematográficos mas pelos disparates a que temos assistido – e não em filmes, mas em mundos que julgávamos serem já impossíveis de serem reais! Brüno atira-nos à cara o que precisamos, sem ponta de esquecimento, de ver e de ouvir: um orgulho heterossexualizado que emerge em gritos primatas, em fúrias que nunca sabemos a que ponto podem lesar (lesando sempre, mesmo que nas doses mais subtis), que ensurdece para que outros orgulhos (esses sim necessários, enquanto nos esmagarem) não sejam ouvidos, que se repete todos os dias julgando que essa repetição nos impede que dele nos possamos rir. Brüno faz-nos ver que a fama fácil, que o materialismo, que o ridículo, que as categoriais e impostas vontades, que as fingidas psicologias e as tropas, que os desnorteados ensejos de adopção mascarada de caridade, só infimamente passam pela personagem que protagoniza, porque maximamente se encontram nas personagens que a hegemonia constrói, multiplica exponencialmente, elege como centro da sua ameaçada sobrevivência e como arma de arremesso a tudo o que dela tente fugir. Brüno fez-me sentir inspiradamente livre na gargalhada motivada pela desconstrução inteligentíssima de todo@s aquel@s que, em cada instante, julgam prender-me na convicção das suas “supremacias”. Lembrando-me, na encenação gay propositada e a meu ver apenas veiculante de significados muitíssimo sérios, que a “supremacia” da fama, do dinheiro, da sexualidade, da falsa ciência, da fandanga tropa e da pseudo-caridade são, pelo menos durante noventa minutos, nada supremas, mas sim possibilidades de nos rirmos sobre o que de sério não têm ou que terão cada vez menos. Lembrando-me que fui capaz de me rir de muito, muito mais do que de uma forma de ser gay.

Amores e Lua


Dois anos fazem-se de meses que se desdobram em dias e em horas. Fazem-se das imperfeições e das maravilhosas descobertas do quanto alguém pode representar-nos a perfeição. Que é sempre humana e por isso, pois, inventada no que o coração quer dar-nos de engano à imperfeição. Dois anos são o ventre simbolizado do que dois seres amados querem gerar, do que podem gerar, dos medos que a pouco e pouco querem abortar para que o fruto lhes caia nos braços com um encanto crescente. Dois anos são a vida que cada um pode neles colocar, mas são também a contenção do que não se quer gratuitamente gerado, como um dos dois amantes foi capaz de afirmar. Dois anos são-nos a igualdade, esteja ela em papel ou não, esteja ela sempre no desejo do coração. Dois anos são-nos a diferença, trazida ao seu máximo esplendor na aceitação a que os dois amados se obrigam, à espera de que não se obriguem. Somos assim, nós, estes dois e o que de nós nasce já para além de nós. Somos os dois anos de amor, os vinte e quatro meses de sol e de chuva, os 730 dias de incógnitas diminuídas, as 17520 horas de presença e de ausência tão necessária quanto saudosa e os milhões de minutos que dois anos fazem esquecer como terão sido, sem esquecer que o foram. Porque os homens não são promíscuos se não quiserem (apesar de poderem) sê-lo, porque podem desejar-se ardente e construtivamente, porque casam de muitas maneiras. Mas sempre válidas estas formas todas de casar, se os anos, os dias, as horas, os minutos e os segundos souberem tiritar na vida que um papel nem sempre promete ou consegue honrar, mas que sempre existe em vida como prova mais cabal de que o amor não tem que ter sexo nem género. Perceber isto será, certamente, deixar o mundo (e quem o constrói na melhor das esperanças) no sossego prateado de uma lua como a que hoje, tão cheia, brindou aos anos que quisemos celebrar.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Marcha, II


Não sei bem o que me diz a igualdade. Nem mesmo saberei se ela é exactamente possível, ou se ela será mais possível do que a diferença que em nós habita. Sei, talvez de forma menos incerta, que há muito tempo damos por nós a balizar o pensamento e a vida entre o igual e o diferente. Como sei que é provável a chegada do momento, para alguns e algumas (se não para muitos e muitas) de nós, em que este balizamento perderá sentido.
A igualdade com que vivo é a do abraço tão necessário quanto saudoso, do beijo que apetece depois de não ter apetecido tanto, do desencontro entre o querer e o não querer, do choro e do riso quando acontecem, da subterrânea constância que o ser amado me assegura, da marcha mais ou menos recôndita mas sempre quotidiana do meu orgulho, da vergonhosa vergonha que não conseguem fazer vingar sobre mim. A igualdade com que vivo sopra no horizonte das crenças sem as quais não viveríamos, faz-se pluma no vento que é preciso alimentarmos em nós, finge apenas desvanecer-se quando nos violentam o que não queremos desvanecer e bebe da água que só o querermos ser quem somos faz jorrar. A igualdade com que vivo é incessante na insatisfação com a diferença, essa marca que impede que antes de todas as etiquetas estejamos nós, essa contra-marcha que não se deu ainda conta de que marcharemos, mais ou menos visivelmente, pelas igualdades que a passo e passo cada um e cada uma de nós saberá que lhe vai assistido.
A igualdade com que vivo seria falsa se não fosse quase infinitamente constelada de diferenças. As minhas e as de outrem, as de ontem, as de hoje e as de até. A igualdade que me move já não sabe que nomes pode ter, depois de ter tido tantos e antes de já não saber ter nenhum. Essa é a marcha mais ininterrupta que pode alimentar-nos a vida: feita do céu azul da liberdade, do esbatimento entre a igualdade e a diferença, do sorriso vingado sobre tantas e tão longas torturas, do passo tão singular quanto acompanhado, dos amores que só as miríades quase abarcam, do caminho na procura de sermos cada vez menos o que não somos.

domingo, 7 de junho de 2009

Porto by Night


Breve história: saída de casal gay à noite do Porto. Noite sem novidade, porque já não pode tê-la. Aparece um rapaz alcoolicamente dançante, tão bem disposto quanto lúcido. Quer, nessa boa disposição, oferecer uma dedicatória, escrita num papel qualquer, desde que possa escrevê-la. Transforma a dedicatória em palavras para o casal. Segue-se um laivo de mais acesa lucidez por parte do rapaz: “na noite é isto, ou fodes ou estás desesperado por foder e não consegues; porque a vida é assim – ou sublimas ou destróis”.

Valha-nos tal riqueza na perpétua pobreza da noite.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Wonderful Fuckers


Clicar aqui é uma experiência maravilhosa. Que nos faz querer dançar imensamente, tremer da cabeça aos pés no arrepio fantástico de estarmos em todo o lado, perceber que o lado menos mau dos Sarkozis talvez sejam as belíssimas roupas das Brunis, gemer de prazer por mexermos os pulsos e todas as outras partes do corpo sem a lembrança da associação de géneros, gritar ao mundo que por muito, mesmo muito que não queiram, a experiência continuará a ser nossa. Todos os dias, a repetirem este. Ou a repudiarem outros como estes.

PS - um agradecimento à amiga S pelo envio.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Que linda voltou a ser esta Marcha...




... pelo Desemprego.


Como a gente fica a saber aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, ...


E ora pois, que gentes LGBTTQ..., mulheres, negr@s, imigrantes, emigrantes, cigan@s, ..., não devem mostrar-se assim!


Verdade é que têm que calar muitas vezinhas (leia-se: quase sempre), estejam emregad@s ou não.


Lindo!


sábado, 25 de abril de 2009

Des-nomear o Coiso


Para boa ou bom revlucionári@, é sempre muito olhar o cravo.
E com ele comover-se.
Vermelho, "naturalmente". Rosa, por junção de causa pluralista óbvia.

Liberdade sempre, coiso nunca mais!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Até...


Vou sentir saudades. De ter uma parede onde encostar o ouvido para que a cusquice me ensine coisas. De uma cusquice que, para mim, só foi de gajas por nome e por integral respeito a quem lho pôs. Oxalá sussurrem as autoras brevemenente numa outra parede qualquer. Ou num lugar sem paredes. Mas que cusquem. Assim como assim, terão sido sempre Bem-Ditas.

BejinhAs.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Tão (?) Gays!


Pois por aqui se fica a saber que...


... Somos tão (?) gays que não cabemos livremente no cinema. Somos tão (?) gays que temos sexo "demasiado forte". Somos tão (?) gays que o nosso sexo é mais forte e muito mais perigoso do que o da "norma". Somos tão (?) gays que nem precisamos de nudez frontal (?) para não cabermos nem no cinema nem na democracia. Somos tão (?) gays que suscitamos a incongruência de afinal não ser frontal mas ser de quatro. Somos tão (?) gays que não podemos querer ser sexualmente espancados. Somos tão (?) gays que ficamos entre a espada (ui... demasiado efeminados!) e a parede (ui... demasiado masculinos!) se mostrarmos que às vezes mostramos sexo. Somos tão (?) gays que arrasamos com a melhor das interpretações se num momento menor de um filme nos pusermos de quatro. Somos tão (?) gays que provocamos "crises cardíacas" aos pobrezinhos que não aguentam ver cavalgar, embora muitos deles, como muitos de nós, não queiram fazer outra coisa. Somos tão (?) gays que nos atribuem uma "hipersensibilidade". Somos tão (?) gays que talvez façamos pensar se não será Obama tão não-branco (?) que o torne incapaz de assegurar a democracia (a americana e a do mundo, que lhe vem sempre agarrada). Está-se mesmo a ver que a afluência ao filme será tão disseminada quanto é forte a publicidade que a censura consegue fazer-lhe. E talvez sejamos tão (?) gays que até na PSP consigamos que a masculinidade seja tão (?) incompatível com a homossexualidade quanto os alhos têm a ver com os bogalhos.
Haja quem nos valha e nos ponha de quatro.
Desde que com vontade consentida e com prazer, obviamente.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Esquecer o 15


Hoje cheiraste a rosas. Cheiraste à vontade adormecida do abraço. Hoje cheiraste ao desejo das pétalas. Suspiraste em cada um dos movimentos escurecidos pela necessidade de mais um dia. Continuaste a fazer-te de rosas, desfloráveis nos sonhos tacteantes. Foste um horizonte a escurecer-se. Hoje cheiraste à lembrança, camuflada em meigo apelo, de outras escritas sobre todas as rosas. Estiveste suave, como sempre te fazes. Hoje foste a embarcação carregada de ti. Carregada de rosas. Seguindo esquecido de teres esquecidos as rosas. Porque hoje cheiraste ao que não podes deixar de ser.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Dedos


Os dedos dizem à pele

O que os dedos sentem

O que o coração sossega

Já a saber-se nos dedos


Na ponta dos dedos

Fazemos o tempo

Fazemos os sonhos

Que repetem nos dedos

O que os sonhos prometem


Os dedos dizem ao tempo

Que é em sonhos que vemos

O que ao tempo fazemos

O que aos dedos prometemos


A sabermos que os dedos

Sabem tocar-nos os medos

Sabem fazer-nos no tempo

Todos os dedos que temos

sábado, 21 de março de 2009

Ora aí está o Latex...


... e António respondeu ao meu pedido. :-)
Dele, não se esperava outra coisa.
Abençoado!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Que atire a primeira pedra...



... quem for capaz de contra-argumetar frase tão certeira!

"Le féminisme n'a jamais tué personne, le machisme tue tous les jours" Benoîte Groult

(ps - descoberta em linha final de mail enviado pela mana)

terça-feira, 17 de março de 2009

Still the Sacred Genocide


António, António, António... onde estás!? Volta depressa, mas mesmo muito depressa, para voltares a desenhar, desta vez com a tromba do Bento.

Venham depois dizer-me que a Igreja não é assassina! É pior... mata em massa!

quinta-feira, 12 de março de 2009

As coisas que se dizem...


O livro referido no post anterior termina com um pequeno glossário masturbatório, boa resenha das construções históricas sobre a masturbação. Não resisti a escolher alguns dos termos, tradutores singulares dos disparates proferidos acerca do acto.

"Agradável prurido, atoleiro de sémen, autismo genital, Comunhão solitária, Doença das olheiras, Emurchecimento prematuro, enormidade da mão, esfregação prolongada, espematorreia voluntária, Furor espermático, Ginástica solitária, Instinto de evacuação, irritação genital, Manobra descongestionante, Plectro do bandolim, Quase-solipsismo libidinal, Singular comichão".


(Se alguém quiser avançar com sugestões...) :-)

Elogiar Um Elogio


"A auto-suficiência feminina assinala de alguma maneira uma independência que não é do agrado dos homens, pertence ao reino dos ersatz (termo alemão que se refere a um produto de substituição, de menor qualidade), das compensações, pertence ao reino do coito instrumental que coloca o órgão masculino numa posição subalterna, que o condena a assemelhar-se ao último dos vibradores. (…).
Os anos passaram, a tempestade acalmou, hoje a masturbação tem direito de cidadania, no entanto, ela ainda não é suficientemente desculpada, e é preciso reafirmar muito claramente que todo o interdito está revogado: é lícito, normal, é belo, certo, bom, agradável, conveniente, vulgar, excelente, decente, louvável, meritório, útil, aceitável, feliz, frequente, habitual, corrente, compreensível, excitante, tentador, atraente, cativante, recreativo, interessante, estimulante, reconfortante, apaixonante, tonificante, fortificante, vivificante, exaltante, perturbador, inebriante, embriagante, voluptuário, legítimo, razoável, defensável, desculpável, permitido, legal, autorizado, leal, recto, válido, justificado, correcto, justo, honesto, brioso, natural… masturbar-se, quer se seja homem ou mulher, e sobretudo se se é mulher, pois ainda é muito frequente que as mulheres e as raparigas – nos homens é muito raro – não ousem abandonar-se ao auto-erotismo, quando isso lhes faria muitíssimo bem".

Elogio da Masturbação
Philippe Brenot

sábado, 7 de março de 2009

Dia Internacional Del@s


A agenda que acompanha os meus dias, oferecida por uma amiga, é belíssima e desenhada por esta mulher. A 8 de Março, é da frase inscrita na agenda que me faço valer, reveladora de que este dia deve ser não só Internacional, como necessariamente criado para Mulheres E para Homens, à falta da não-demarcação entre “elas” e “eles”.


The soul would have no rainbow if the eyes had no tears.



quarta-feira, 4 de março de 2009

Como só tu pudeste ser-te





Uma tristeza imensa, imensa, imensa. Rolandette, será sempre assim que a cunharei no coração, desfez-se num rio, depois de ter-se desfeito no mundo. Entrou nele porque já não cabia na vida, porque a vida não sabia como caber-lhe. Dizia, em preságio das águas, que "a sepultura é uma cova onde não cabe o coração dos que resistem". E só ela poderia ter escrito assim: O Amor é foder. E às vezes o coração aperta, dispara. O peito dói. A vida pesa. Mas há que encher os pulmões de ar. E chutar as dores da alma para o alto”. Talvez nos encontremos numa água mais feliz, onde o sorriso perdure e onde a solidez não seja uma sórdida farsa. Talvez.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Pornomania ainda


Mas o melhor de tudo isto, é que já vou na quarta notícia do Público em que é reproduzida a "grande e problemática dor de projecção" - ou seja, a imagem que incomodou a labregada policial (já para não falar na permanência da mesma imagem na página web do jornal). Nunca Courbet teve tanta (prositiva!) projecção de que me lembre entre nós e a pergunta que se segue será, inevitavelmente: vamos ter um PSP idiota em todos os sítios onde esteja/ seja lido o Público?

PS - para tentar que o registo fique mais permanente do que do Público, também eu me socorro da ARTÍSTICA imagem.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Pornomania


Aconselhável, em terra mísera de cabeças, essas sim, porno. A beleza das obras de Courbet não raia um milésimo de porno. Mas haja mania, só para que outras manias não ganhem terreno.

Já agora: o Ministério Público não devia arranjar qualquer coisa de jurídico que lesasse seriamente projecções badalhocas? Ah, pois, ... o problema é que não fazia outra coisa!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Sábio Leitor


No Ípsilon, de 13 de Fevereiro último, um leitor que nos reforça a beleza e o impacto de “Milk”. Em noite de Óscares é já um triunfo que entre nós alguém tenha lido assim.

(…) o filme (…) é realmente uma obra-prima. E tal facto consubstancia-se essencialmente pela razão que, sendo o seu realizador homossexual e sendo o filme tão inevitavelmente “gay”, (…) não deixa o mesmo de provocar a ambivalência necessária à compreensão que um heterossexual pode ter da homossexualidade. Pois o filme é essencialmente sobre homossexualidade. E sobre minorias. E sobre a maioria que uma minoria pode construir. E sobre o nosso medo – dos heterossexuais – dessa minoria que pode ser uma maioria. E é também sobre um homem que soube fazer uma maioria de uma minoria. E sobre as perfídias próprias da política institucionalizada. (…)
Luís Coelho, 28 anos
Fisioterapeuta

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Mudem o nome ao doce... please!


Com isto, podemos perceber a que ponto extraordinário já chegámos!

Quanto aos MEUS problemas de identidade pessoal:


- viver num país que de digno já só tem um “fio [fininho, fininho…] do horizonte”;
- ter mesmo que passar por vários problemas de identidade pessoal para ser uma pessoa como outra qualquer;
- nunca ter percebido como é que a Igreja acha sempre que quem lhe obedece cegamente está protegido dos problemas de identidade pessoal desde que se ajoelhe e reze;
- ouvir demasiado ruído clerical acerca de tudo o que ganhava mais sem esse ruído;
- saber que o Estado em que vivo não desiste de ser motor desse ruído e depois se dá ao luxo de me pedir que vote nos seus representantes;
- a minha homossexualidade, mas só até ao dia em que percebi que a Igreja tinha sido o mais forte adubo para esse (já tão, tão distante) “problema”.


(um outro problema: adorar un doce a que dão nome de fatia do bispo!)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Pó de arroz, sff!


Depois de vê-lo e ouvi-lo aqui, recomendo-lhe, seu paspalho:
- umas sessões de terapia da fala, que são medonhas a sua voz e sua a prosódia;
- uns copos de tinto de uma abadia qualquer para ver se a bebedeira lhe dá a lucidez de não dizer “unidos daquele modo” (os homossexuais) ou então para dizer que são “unidos daquele modo” quaisquer casais;
- um bocadinho, só um bocadinho de tino para perceber que aquele modo não existe, a não ser na sua boca debilóide;
- que vá ver o mundo e enxergue de vez que muitas vezes o pai e mãe, esses que designa, se fartam de não se complementarem e que se foram tão maravilhosamente complementados quanto diz a gente desconfia e até se chateia com a ideia de ser criado no meio de tanta maravilha;
- um espelhinho, douradinho, bem feminino, para espetar com kilos de pó de arroz nessas trombas hediondas, até que vossa senhoria, sim, pareça “normal” - o que me parece impossível, mas a cosmética sempre tem os seus milagres, mais procurados que os de fátima.

Ou então... vá à merda... ou areje.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Pérolas de SÁBADO


A SÁBADO é o que a gente já sabe. Dei por mim a ler mais uma totalmente estapafúrdia reportagem da edição de 5 de Fevereiro, que dessa reportagem faz capa.
Ficam as “pérolas” que não resisti a registar.

Pérola 1 – o título – “a moda das aventuras sexuais entre mulheres” – moda devia ser a gente já vomitar de nos virem com esta da “moda” e as imprecisões abundam, a meter no “saco das aventuras” muitas outras realidades que não são aventuras porra nenhuma;
Pérola 2 – “o álcool, um dos maiores catalisadores para as primeiras experiências sexuais entre mulheres [pouco sexista, não?] serviu de desculpa para se espicaçarem [notem: “espicaçar” é palavra empregue para dizer que tiveram sexo uma com a outra! Lindo!]”
Pérola 3 – “Maria vê nestes envolvimentos [sexuais com mulheres] uma forma de estimular o segundo casamento, …, desde que ele [o marido] assista, é claro” – já faltava a estimulação, não do casamento, nem dela mesma, mas do marido machista e prepotente; isso, sim, é que “é claro”;
Pérola 4 – Tão claro que o tal marido da Maria se denuncia a si mesmo nestas maravilhosas declarações: “É excitante ver a minha mulher com outra, mas há limites. Se ela estiver disposta a fazer sexo, terei de estar presente”. Tudo dito!
Pérola 5 – As perguntas de Fernando Alvim a São José Correia: “Entusiasma-te dois corpos femininos?” (…) “Qual é a diferença entre ires para a cama com uma mulher ou com um homem?” (…) “Com um orgasmo também é assim?”. Únicas respostas à letra: não têm que ser “dois” corpos, não têm que ser “femininos”, vê lá se chegas ao cúmulo de pedir um desenho, já devias ter feito moche forte quanto bastasse para desapareceres do mapa, ó Alvim!
Pérola 6 – (corroboração absoluta da qualidade transversal da reportagem, que nos brinda com a sistemática ideia da “moda” de que faz título e que insiste na condição mais ou menos alcolizada das mulheres que se “aventuram” sexualmente com outras):
"Ela era [?] – e é [?] – 100% [?] heterossexual [?] e a colega [com quem teve sexo] também [?]: uma mulher com um casamento feliz [não vá haver aqui mentes porcas!], dois filhos [agora é que as mentes porcas estão tramadas!] e adepta de jogos eróticos femininos para quebrar a rotina da relação [100%?????????] conjugal”.


Que seria de nós (e, em especial das mulheres) sem a preciosa SÁBADO?

My Blessed Patchwork

Não resisti a fazê-lo. Sobre famoso tema de Pierre et Gilles, Lola.
A ver se arejamos cabeças.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Isabelinha... pior que a de Bragança


Confesso que também fiquei angustiado, mas com esta senhora, por ser "a mais tradicional das virgens"... de conhecimento sobre aquilo de que fala. Palhaça!
We are here to recruit you!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cinzento


Geralmente, não gosto, mas não gosto mesmo do autor. Essencialmente porque sinto que se excede (e não raras vezes a si mesmo), que tem uma veia de pró-multifacetado que não me parece que consiga ser, porque o culto do ego lhe cobre as faces e discurso. Mas desta vez, e a partir do que se pode ler aqui, sinto-me inteiramente de mãos dadas com ele. Até porque francamente não sei como não se possa estar!

Acho que o excerto que se segue diz tudo:


(...) Eu penso que Portugal não vale muito como nação e como povo - aquilo que nos separa da inviabilidade não é tanto como, por inércia, nos habituámos a pensar. Vejo Portugal um pouco como aquelas mulheres fatais que, entre os vinte e tal e os quarenta e poucos anos, se habituaram a reinar como princesas, seduzindo e cativando tudo à roda e julgando-se eternamente senhoras do jogo. Mas, um dia, olham-se ao espelho, percebem que o seu poder de sedução está a desaparecer e correm para as plásticas, para os ginásios ou para um sem-número de truques com os quais julgam poder enganar eternamente o que, pela natureza das coisas, tem um fim. Um dia, dissipado o nevoeiro do espelho, com a miserável realidade das facturas para pagar, extinto o charme do fado, do sol e do bidonville algarvio, Portugal dar-se-á conta de que está sozinho e de que já ninguém se deixa seduzir pelo seu jogo de mulher fatal da Europa, o país "que deu novos mundos ao mundo", o Infante, as caravelas e toda essa conversa gasta (...). Os países, tal como as pessoas, podem viver da aparência ou da substância. Mas não viverão sempre da aparência se não tiverem substância que a suporte.


PS - agradecimento ao alerta de M(i)M(i).


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Fuck Off, Paul!


Definitivamente, depois de termos uma tão boa notícia como esta, ficamos certificados de que há náufragos com muita, muita sorte, como é o caso deste. Ainda assim, sem o ter sabido, o náufrago fez-nos um favor e, com isso, deu-nos algo muito mais importante e digno do que a sua (imerecida) salvação náufraga: termos tido um barco que, sem se ter afogado, nos deu uma história e uma História bem mais importante do que a do Titanic.

Thanks for Your Blessed Waves.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Genetismo


Porque tantas vezes nos esquecemos do que há tanto tempo está já escrito, fica Genet, na sua sempre tão bela escrita. Porque a sua vitória foi verbal, assim o disse; porque da sumptuosidade das palavras se socorreu; porque ter-se socorrido foi uma bênção para nós, se abençoados formos na compreensão de que a masculinidade nunca passou de um mar de fragilidades, de uma prisão de que só escapamos em ballet.


Ei-lo, há mais de 50 (cinquenta!) anos, numa passagem como só ele saberia tecer, como só ele saberia construir a partir da vida que reservada lhe esteve. Para fazer-nos chorar… e por mais.

Culafroy passeava entre lençóis, descalço. Vivia minutos leves como minuetes, feitos de inquietação e ternura. Chegou a aventurar-se num passo de dança em pontas, mas os lençóis formavam paredes suspensas e corredores, os lençóis imóveis e dissimulados como cadáveres uniam-se e podiam encarcerá-lo e estrangulá-lo. (…) Se tocasse o chão apenas com um gesto ilógico do pé esguio estendido, poderia tal gesto fazê-lo soltar-se, deixar a terra e atirá-lo por entre mundos de onde não voltaria, ao espaço onde nada poderia fazê-lo parar. Pousou de planta inteira o pé no chão, para lhe conferir uma segurança maior. (…) Aquela criança que nunca tinha visto um bailarino, nunca tinha visto teatro nem actor, com um sentido divinatório espantoso compreendeu um artigo de página inteira que só tratava de figuras, entrechats, battus-jettés, tutus, sapatilhas, tela, rampa e ballet. Pelo aspecto da palavra Nijinsky (a haste do N, a descida da argola do j, o salto da argola do k e a queda do y, forma gráfica de um nome que parece empenhado em desenhar o impulso com recaídas e pulos no palco de saltador que não sabe sobre qual dos pés pousar) adivinhou a leveza do artista, como um dia virá a saber que Verlaine não pode deixar de ser um nome de poeta-músico. Aprendeu sozinho a dançar, como aprendera sozinho a tocar violino. Dançou, portanto, como tocava. Todos os seus actos foram servidos por gestos, não ao serviço daqueles, mas de uma coreografia que lhe transformava a vida num ballet perpétuo. Rapidamente se pôs em pontas e em todo o lado: no talho, quando apanhava achas de lenha, no pequeno estábulo, debaixo da cerejeira… Punha os tamancos de lado e dançava em cima da erva com peúgas de lã preta, de mãos presas à ramaria mais baixa. Na vida, povoou os campos com uma multidão de figuras que queriam passar por bailarinas de tutu de tule branco, que se mantinham um menino de escola pálido, de bibe preto, a procurar cogumelos e dentes-de-leão. (…)


Nossa Senhora das Flores

Jean Genet, 1951

(Difel, 1987; Trad: Aníbal Fernandes)

Plumíssimas Revoluções


Houve um post que me deu mote. Mote para dizer algumas coisas consonantes com a linha condutora desse mesmo post. Depois, percebi que as coisas que queria dizer estavam já ditas numa produção do país de nuestros hermanos, que ao que parece estão a fazer com que não passe de uma baboseira a velha frase de que dali nem bons ventos, nem bons casamentos, a julgar por provas (como esta, ou como esta) contrárias à baboseira.


Das palavras de Ricardo Lammas e Javier Vidarte, retiradas daqui, me faço valer em apoio à (sobre)vivência tão bem ilustrada pelo limbo entre o babuíno e o ser humano, tão bem apontada como desumanamente erguida sobre a esfarrapada promessa que julgávamos haver na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ora, leia-se Llamas e Vidarte:

…os animais já têm a sua Declaração Universal dos Direitos do Animal desde 1977 [pelo que se sublinha a pertinência dos 30 anos referidos no post-mote]. Quase se poderia dizer, ironicamente, que os animais nos levam uma dianteira, ainda que nós [, pessoas LGBT,] não queiramos a nossa própria declaração de direitos humanos e civis, mas em vez disso queiramos é não conformar-nos com o que vale para toda a gente, porque não é para toda a gente que afinal vale. (…) Observamos um eco distante, um certo paralelismo entre a tónica geral e os conteúdos da Declaração Universal dos Direitos do Animal e o que se vem fazendo connosco e com os nossos direitos, com o modo como nos concedem amavelmente e num acto de grande generosidade – que grande é o coração heterossexista! – estes direitos.

Ao proporem-nos que na referida Declaração Universal dos Direitos do Animal exercitemos a substituição da expressão “animal” por “não-heterossexual”, Llamas e Vidarte deixam-nos a pensar sobre o quanto há por fazer e dão inteira razão ao que no mencionado post-mote podemos ler. Para acabar, deixo ainda palavras dos mesmos autores, que encetam tanto de cruel quanto de belo. Porque talvez na vontade de arrumarmos de vez com a crueldade esteja toda a beleza que nos assiste. Sem mais, nem menos, surge como boa verdade que para que alguém LGBT "alcance o respeito social e não sofra de discriminação, não haja outro remédio senão converter-se em lince. Outras pessoas haverá que se consolarão vendo todas as noites a sua gasta gravação de Os Pássaros, de Hitchcock, sonhando com plumíssimas revoluções".


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

As Novas Cores do PS


Digam lá se não era tão giro (e nada mau!) se fosse verdade? ;-P

Espinhos de Rosa Murcha

Podes ser gay ou lésbica. Podes meter-te na cama com quem quiseres, mas não te orgulhes de amares alguém. Podes viver anos a amar esse alguém, mas não esperes que te reconheçam a beleza do amor como se gostasses de alguém que não é do “mesmo sexo” que tu. Podes brincar aos casamentos, mas não te armes em cara(-de-)pau de corrida, que rebentos não são para ti.
Podes e deves votar em nós. Nós prometemos ajudar-te a fazer de conta que o teu casamento é igual a qualquer outro.
Teu, PS.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Pequena Ode a um Anjo


A noite é fria e da janela vejo um negro. Vejo as lamúrias em repetição quotidiana sobre o que teremos que continuar a viver, sobre a crise que é a repetição de se falar em crise. Vejo o fumo do meu cigarro desvanecer-se sobre o fosco translúcido do vidro que me abre a noite. Vejo a lembrança de mais um dia concorrido pelos rostos desiludidos que nos rodeiam, assim como vejo o brilho lembrado de quando acreditávamos mais nos olhos brilhando. O negro tem ainda uma ténue esperança de azul, que cada um de nós saberá (ou desejará saber) onde ir buscá-la. Mas sobre todos os negros vejo um anjo. Vejo-o entrelaçado entre o frio, entre o negro, entre os brilhos que mais do que lembrados me são presente, entre as tantas coisas que não deixa que deixem de me ser coisas, entre o que entre mim e ele se faz como espaço de vôo conjunto. Não sou mais nem menos do que qualquer um de vós por me ver abraçado por um anjo, tal como com ele consigo não ser mais nem menos do que as asas que mereço. Acreditar num anjo é a lanterna que me ajuda a vislumbrar um bocadinho mais de azul no negro olhado da janela. O mundo continua a ser bem mais imenso do que a beleza de um anjo, mas sem ele certamente me seria bem menos imenso. E, a defraudar o poeta, apetece-me dizer: Boa noite. Eu vou com o anjo.


Jorgetes e Manelinhas, vão de retro!


Em estúpida resposta pseudo-desculpabilizante disto

“O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, disse ontem que a Igreja «não tem nada contra» casamentos entre católicos e fiéis de outras religiões, mas pediu que essas uniões respeitem os «valores católicos» das famílias. […] Segundo o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Morujão, a advertência do Cardeal Patriarca é um “justo conselho de realismo” e afastou de qualquer «discriminação ou menosprezo» pelo islamismo”.
Jornal Metro, 15 de Janeiro de 2009

Eu, que sou muito, muito burro, gostava que me dissessem:
1. porque é que alguém que “não tem nada contra” alguma coisa, prefere e profere a supremacia de “outra” coisa?
2. o que são, nestas matérias, a “justiça” e o “realismo” de um conselho?
3. como é que depois de tanto disparate junto e de tão explícitos ataques ainda falam em ausência de “discriminação ou menosprezo”?
4. porque é que há ainda quem não veja que… cada tiro, cada melro?
5. por quanto tempo haverá gente a seguir “conselhos” de semelhante seita?

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Pensem muito mais que duas vezes…


… antes de ouvirem este idiota chapado (e acautelem-se não com os amores, mas com a probabilidade de ferirem TODA a sensibilidade que vos reste ao clicarem aqui).
Contigo, cara feira, é que é de certeza difícil dialogar!
Ainda bem que tu “os” (!) respeitas (tanto que te demarcas bem "deles"), ou não sei o que seria…
E, já agora: quem é que em Portugal já leu a Bíblia?
Vai mas é fumar! E que mais reacções haja à baba verbal que deixaste sair dessa bocarra!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Flores


Ele veio nas flores
Elas, tantas
Como dele, tanto

O mar é de odores
A que sabem as flores
Como se sabe o canto
Cantado nas cores

Ele veio nas flores
Com elas, tanto
E com ele, o canto

Tocado em amores
De que se fazem as flores
Para que sejam tanto
Quanto os meses de (en)canto


(em atraso dos habitualmente celebrados dias 6)

domingo, 4 de janeiro de 2009

Requiem para Lisboa


Se Lisboa fosse um Requiem, tê-lo-íamos escrito mais belo do que muitos. Na chuva dos dias que nela houve, houve o céu limpo que lhe oferecemos, houve o abraço da chegada, que é sempre como se não o fosse porque estávamos já lá. Se Lisboa fosse um Requiem, as primeiras notas soariam baixinho no cuidado de acolher, em sobretudo cor de mel, em sorrisos cicerónicos que nos abrigam de muitas chuvas, no caldo verde a saber à felicidade com que enganámos a morbidez da composição. Se Lisboa fosse um Requiem, haveria gente cantando na brancura de uma casa onde pão e vinho sobre a mesa se abriu a gentes que traziam vestidos e a outras tantas gentes que sabem vesti-los. Haveria gente feliz a percorrer um bairro tão alto quanto a vontade de subir ao céu e de nele nos encontrarmos um dia sentados, sem anos contados, sem deuses maiores do que nós, com anjos como os que buscamos nos dias e nas noites ou com diabos sem género mas de pele e de alma frescas. Se Lisboa fosse um Requiem, teria jantares maravilhosamente servidos no bairro ainda alto, teria éter a fazer continuar o céu que lhe inventámos, só para descer ao feliz inferno de um cubículo onde outras gentes vivem de esvoaçados vestidos, só para sorrirmos nas gotas, feitas mais de éter que de chuva, de molhados desejos, nesse inferno ou noutros, procurados na retaguarda de um carro, num quarto com um adónis azulado em quadro que a noite veste de cobalto, nas mãos de um rapaz que inferniza um tão querido tio pelas palavras que não lhe dirige depois de tocá-lo. Se Lisboa fosse um Requiem, não saberia senão ver-se enganada no prenúncio da morte, ou não fossem imensamente nossos o sorriso e o gesto insistentes da Tarantella, o breve e sabido fingimento de sermos aqueles que não morrem nunca. Se Lisboa fosse um Requiem, teria um fim tão saudoso quanto mascarado: de Genet cantando amor, de Rufus-Judy ondulando as mãos como Amália, de um porno-terno a explicar porque há quem nos ame e quem não nos ame mais, de um telhado de onde pudemos ver o rio a que quereremos sempre voltar, de um tio que nos aquece a casa para nos recompor a partitura e nos fazer cantar menos mal. Se Lisboa fosse um Requiem, seria feita de nós, que nela fomos tanto quanto a vontade de sermos quem somos. Avé.