quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Pequena Ode a um Anjo


A noite é fria e da janela vejo um negro. Vejo as lamúrias em repetição quotidiana sobre o que teremos que continuar a viver, sobre a crise que é a repetição de se falar em crise. Vejo o fumo do meu cigarro desvanecer-se sobre o fosco translúcido do vidro que me abre a noite. Vejo a lembrança de mais um dia concorrido pelos rostos desiludidos que nos rodeiam, assim como vejo o brilho lembrado de quando acreditávamos mais nos olhos brilhando. O negro tem ainda uma ténue esperança de azul, que cada um de nós saberá (ou desejará saber) onde ir buscá-la. Mas sobre todos os negros vejo um anjo. Vejo-o entrelaçado entre o frio, entre o negro, entre os brilhos que mais do que lembrados me são presente, entre as tantas coisas que não deixa que deixem de me ser coisas, entre o que entre mim e ele se faz como espaço de vôo conjunto. Não sou mais nem menos do que qualquer um de vós por me ver abraçado por um anjo, tal como com ele consigo não ser mais nem menos do que as asas que mereço. Acreditar num anjo é a lanterna que me ajuda a vislumbrar um bocadinho mais de azul no negro olhado da janela. O mundo continua a ser bem mais imenso do que a beleza de um anjo, mas sem ele certamente me seria bem menos imenso. E, a defraudar o poeta, apetece-me dizer: Boa noite. Eu vou com o anjo.


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