terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Genetismo
Plumíssimas Revoluções
…os animais já têm a sua Declaração Universal dos Direitos do Animal desde 1977 [pelo que se sublinha a pertinência dos 30 anos referidos no post-mote]. Quase se poderia dizer, ironicamente, que os animais nos levam uma dianteira, ainda que nós [, pessoas LGBT,] não queiramos a nossa própria declaração de direitos humanos e civis, mas em vez disso queiramos é não conformar-nos com o que vale para toda a gente, porque não é para toda a gente que afinal vale. (…) Observamos um eco distante, um certo paralelismo entre a tónica geral e os conteúdos da Declaração Universal dos Direitos do Animal e o que se vem fazendo connosco e com os nossos direitos, com o modo como nos concedem amavelmente e num acto de grande generosidade – que grande é o coração heterossexista! – estes direitos.
Ao proporem-nos que na referida Declaração Universal dos Direitos do Animal exercitemos a substituição da expressão “animal” por “não-heterossexual”, Llamas e Vidarte deixam-nos a pensar sobre o quanto há por fazer e dão inteira razão ao que no mencionado post-mote podemos ler. Para acabar, deixo ainda palavras dos mesmos autores, que encetam tanto de cruel quanto de belo. Porque talvez na vontade de arrumarmos de vez com a crueldade esteja toda a beleza que nos assiste. Sem mais, nem menos, surge como boa verdade que para que alguém LGBT "alcance o respeito social e não sofra de discriminação, não haja outro remédio senão converter-se em lince. Outras pessoas haverá que se consolarão vendo todas as noites a sua gasta gravação de Os Pássaros, de Hitchcock, sonhando com plumíssimas revoluções".
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Espinhos de Rosa Murcha
Podes e deves votar em nós. Nós prometemos ajudar-te a fazer de conta que o teu casamento é igual a qualquer outro.
Teu, PS.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Pequena Ode a um Anjo
A noite é fria e da janela vejo um negro. Vejo as lamúrias em repetição quotidiana sobre o que teremos que continuar a viver, sobre a crise que é a repetição de se falar em crise. Vejo o fumo do meu cigarro desvanecer-se sobre o fosco translúcido do vidro que me abre a noite. Vejo a lembrança de mais um dia concorrido pelos rostos desiludidos que nos rodeiam, assim como vejo o brilho lembrado de quando acreditávamos mais nos olhos brilhando. O negro tem ainda uma ténue esperança de azul, que cada um de nós saberá (ou desejará saber) onde ir buscá-la. Mas sobre todos os negros vejo um anjo. Vejo-o entrelaçado entre o frio, entre o negro, entre os brilhos que mais do que lembrados me são presente, entre as tantas coisas que não deixa que deixem de me ser coisas, entre o que entre mim e ele se faz como espaço de vôo conjunto. Não sou mais nem menos do que qualquer um de vós por me ver abraçado por um anjo, tal como com ele consigo não ser mais nem menos do que as asas que mereço. Acreditar num anjo é a lanterna que me ajuda a vislumbrar um bocadinho mais de azul no negro olhado da janela. O mundo continua a ser bem mais imenso do que a beleza de um anjo, mas sem ele certamente me seria bem menos imenso. E, a defraudar o poeta, apetece-me dizer: Boa noite. Eu vou com o anjo.
Jorgetes e Manelinhas, vão de retro!
“O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, disse ontem que a Igreja «não tem nada contra» casamentos entre católicos e fiéis de outras religiões, mas pediu que essas uniões respeitem os «valores católicos» das famílias. […] Segundo o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Morujão, a advertência do Cardeal Patriarca é um “justo conselho de realismo” e afastou de qualquer «discriminação ou menosprezo» pelo islamismo”.
Jornal Metro, 15 de Janeiro de 2009
Eu, que sou muito, muito burro, gostava que me dissessem:
1. porque é que alguém que “não tem nada contra” alguma coisa, prefere e profere a supremacia de “outra” coisa?
2. o que são, nestas matérias, a “justiça” e o “realismo” de um conselho?
3. como é que depois de tanto disparate junto e de tão explícitos ataques ainda falam em ausência de “discriminação ou menosprezo”?
4. porque é que há ainda quem não veja que… cada tiro, cada melro?
5. por quanto tempo haverá gente a seguir “conselhos” de semelhante seita?
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Pensem muito mais que duas vezes…
… antes de ouvirem este idiota chapado (e acautelem-se não com os amores, mas com a probabilidade de ferirem TODA a sensibilidade que vos reste ao clicarem aqui).
Contigo, cara feira, é que é de certeza difícil dialogar!
Ainda bem que tu “os” (!) respeitas (tanto que te demarcas bem "deles"), ou não sei o que seria…
E, já agora: quem é que em Portugal já leu a Bíblia?
Vai mas é fumar! E que mais reacções haja à baba verbal que deixaste sair dessa bocarra!
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Flores
Ele veio nas flores
Elas, tantas
Como dele, tanto
O mar é de odores
A que sabem as flores
Como se sabe o canto
Cantado nas cores
Ele veio nas flores
Com elas, tanto
E com ele, o canto
Tocado em amores
De que se fazem as flores
Para que sejam tanto
Quanto os meses de (en)canto
(em atraso dos habitualmente celebrados dias 6)
domingo, 4 de janeiro de 2009
Requiem para Lisboa
Se Lisboa fosse um Requiem, tê-lo-íamos escrito mais belo do que muitos. Na chuva dos dias que nela houve, houve o céu limpo que lhe oferecemos, houve o abraço da chegada, que é sempre como se não o fosse porque estávamos já lá. Se Lisboa fosse um Requiem, as primeiras notas soariam baixinho no cuidado de acolher, em sobretudo cor de mel, em sorrisos cicerónicos que nos abrigam de muitas chuvas, no caldo verde a saber à felicidade com que enganámos a morbidez da composição. Se Lisboa fosse um Requiem, haveria gente cantando na brancura de uma casa onde pão e vinho sobre a mesa se abriu a gentes que traziam vestidos e a outras tantas gentes que sabem vesti-los. Haveria gente feliz a percorrer um bairro tão alto quanto a vontade de subir ao céu e de nele nos encontrarmos um dia sentados, sem anos contados, sem deuses maiores do que nós, com anjos como os que buscamos nos dias e nas noites ou com diabos sem género mas de pele e de alma frescas. Se Lisboa fosse um Requiem, teria jantares maravilhosamente servidos no bairro ainda alto, teria éter a fazer continuar o céu que lhe inventámos, só para descer ao feliz inferno de um cubículo onde outras gentes vivem de esvoaçados vestidos, só para sorrirmos nas gotas, feitas mais de éter que de chuva, de molhados desejos, nesse inferno ou noutros, procurados na retaguarda de um carro, num quarto com um adónis azulado em quadro que a noite veste de cobalto, nas mãos de um rapaz que inferniza um tão querido tio pelas palavras que não lhe dirige depois de tocá-lo. Se Lisboa fosse um Requiem, não saberia senão ver-se enganada no prenúncio da morte, ou não fossem imensamente nossos o sorriso e o gesto insistentes da Tarantella, o breve e sabido fingimento de sermos aqueles que não morrem nunca. Se Lisboa fosse um Requiem, teria um fim tão saudoso quanto mascarado: de Genet cantando amor, de Rufus-Judy ondulando as mãos como Amália, de um porno-terno a explicar porque há quem nos ame e quem não nos ame mais, de um telhado de onde pudemos ver o rio a que quereremos sempre voltar, de um tio que nos aquece a casa para nos recompor a partitura e nos fazer cantar menos mal. Se Lisboa fosse um Requiem, seria feita de nós, que nela fomos tanto quanto a vontade de sermos quem somos. Avé.