quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sonho Meu, Sonho Meu




Hoje o sonho foi-me presente. Leia-se: presente de dádiva e presente de agora. Foi um sonho em que o mundo se fazia de homens que eram somente o que a alma lhes ditava. Lindos na basculante atitude do pulso, nas flores que não podiam largar do colo para que a existência lhes perdurasse, nos cigarros imensos que seguravam em boquinhas delicadas, nas plumas que ofereciam à lembrança do meu adereço favorito, no dizerem que estavam comigo a efervescer no que sempre haviam sido e na perpetuação do que continuariam a ser. Lindos no sábio esquecimento do que lhes haviam ensinado sobre “homens” e sobre “mulheres”, lindos a retocarem com batom estes maus ensinamentos. Sábios, muito sábios de si na mimosa rejeição de semânticas que não as deles. Sussurravam a verdade das suas verdades sem que o pulso se importasse, sem que as flores murchassem, sem que a boca ou o cigarro fossem rudes, sem que as plumas deixassem de esvoaçar. Foram falando nas agruras da abominável designação do pulso abominado, foram sorrindo na crença de que verdadeiros são os homens que sustentam as flores quando as desejam. Lembraram-me a rudeza que têm as bocas que não se entregam à delicadeza. Presentearam-me na pose revigorante dos cigarros roubados aos filmes de Marlene, no ar que respiravam, todo feito de plumas e de fumos. Quando permitiram que entre eles me sentasse, soube o quanto me faltou para ser um homem. Faltou-me a recordação mais viva que o quotidiano continua a cortar pulsos quando não admite genuinamente os pulsos. Faltou-me cheirar mais, muitas mais flores. Faltou-me um não mais afirmado à impossibilidade dos cigarros, aqueles cigarros que não querem que eu fume ou que querem que eu fume como querem ver-me fumar. Faltou-me uma boca mais delicada do que a que todos os dias nos põem na boca. Faltou-me um manancial de cores que ainda falta às minhas plumas. Faltou-me ser tão sábio como eles.
Tudo isso me faltou para que o sonho fosse mais um presente (de dádiva) e menos o presente (do agora). Faltou-me mais dádiva de mim e de quem gosto. E faltou-me um pouco mais do que o agora, porque estes lindos e estes sábios estão ainda demasiadamente confinados aos sonhos.

domingo, 26 de outubro de 2008

My Lovely Cidália


É-me definitivamente uma escritora querida.
A brincar, a brincar…
Thank you, Cidália.


"[A respeito da introdução de dedo(s) no(s) ânus] Os homens – muitos deles, põem de facto mais entraves ao sexo na hora da loucura. Ou bem que estão bêbados e depois nem se lembram do que fizeram (será que não?) ou então o medo de verem a sua masculinidade beliscada corta pequenas extravagâncias que podem fazer a diferença. (…) O que é bom na vertigem do sexo é o momento em que deixamos de ter género, idade, corpo, e passamos a ser um amontoado de carne quase indiferenciado mas disposto a tudo. Eu gosto desses momentos em que nos perdemos. E como alguém dizia há dias: a natureza humana é ambígua…
(…) Não temam o desconhecido, mesmo que o desconhecido seja só um dedo no bolo. Se considerarem isto “prevaricar”, então prevariquem. Não leiam só nos livros e nas revistas. Concrectizem. (…) O único risco é haver quem peça um dedo e queira o braço..."


O Polegarzito

O Sexo e a Cidália, Notícias Sábado, 25 de Outubro de 2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mal-Criar


“A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas mostrou profunda consternação pela aprovação da nova lei do divórcio, estando certa de que com esta lei os divórcios dispararão em flecha e que os valores da família passarão a ser totalmente desvirtuados”.
Jornal Metro, 21 de Outubro de 2008

Perguntas: sendo associação, porque é que acreditam tão pouco no que defendem, que é a força da família!? basta-vos uma mudança na lei para que toda essa força vá pelo cano abaixo!? sabem que a referida lei não manda (que as pessoas se divorciem), apenas facilita (o fim do mal-estar)!? perceberam que ninguém desvirtua a família (numerosa ou não), mas apenas a defende contra valores nada recomendáveis!? que é assim que a associação consegue ser mais frágil que a família!?

E porque é que não disparam uma flecha pelo cú acima a ver se se calam um bocadinho?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Belos Factos Solnádicos


Facto: nunca achei piada ao senhor (e depois do que li, mais senhor o acho) nos seus dignos esforços de nos alegrar. Facto: isso não vem ao caso. Facto: os bolds que coloquei na transcrição não deixam margem para a mais mínima dúvida quanto à verdadeira, genuína e lúcida capacidade afirmativa do senhor. Facto: o sorriso que costuma assomar-lhe ao sereno rosto é mesmo sinal da valorização que faz da felicidade e que quer ver distribuída justamente por outras pessoas. Facto: a genuinidade, como se vê, é mesmo uma questão de aceitação. Facto: temos lição de cidadania, simplesmente porque cada um de nós tem que ser respeitado (para quê dizer mais?). Facto: Melhor tacada aos (agora digo eu: ditos) políticos não podia haver. Facto: o senhor percebe e traduz o Princípio da Igualdade de forma brilhante, porque imediata. Facto: fecha a entrevista com a prova mais cabal do que diz entender, porque a adopção em nada lhe faz confusão. O entrevistador é que não foi capaz de acompanhar a rapidez intelectual do senhor, porque não havia que perguntar se adoptar lhe provocava mais dúvidas (o que vinha antes, já o senhor tinha mostrado, não lhe colocava dúvida nenhuma, logo não havia que perguntar pelo mais). Via que proponho: um wokshop obrigatório com o senhor na Assembleia da República, o mais rapidamente possível.

Raul Solnado em entrevista à Notícias Sábado, 145, 10 de Outubro

Defendo o casamento homossexual”

- sei que o casamento entre dois homens ou entre duas mulheres faz confusão a muita gente, mas para mim o que é importante é que duas pessoas sejam felizes;

- aceito [o casamento entre homossexuais] porque entendo. A gente não pode entender se não aceita. Entendo lindamente. Não me faz confusão nenhuma que duas pessoas do mesmo sexo se amem […]. E cada cidadão tem que ser respeitado.

- Estamos em ano pré-eleitoral. Só falta vontade política.

- As pessoas não são melhores ou piores consoante a sua orientação sexual.

E a adopção provoca-lhe mais [?] dúvidas?
Não, nada. Há tanta criança abandonada que vai ser perdida… não percebo, sinceramente. Dois homossexuais ou duas lésbicas podem dar tanto amor como uns pais ditos normais. Isto vem nos livros, estou farto de ler estudos sobre isto. É tudo uma questão de hábito. As crianças precisam é de amor e carinho.

domingo, 19 de outubro de 2008

Lusitana Putice


Por muito que se batalhe na defesa argumentativa da necessidade de reforçar a confiança na política e nos políticos, caem por terra muitas dessas frentes de batalha depois de tão somente visualizarmos uma montagem no celebríssimo YouTube (bastando clicar aqui). De ironia carregadíssima, de humor evidentemente nutrido por uma selecção intencional para dar imagens às palavras do fadista, de uma apreciação que tem os limites que se lhe podem, como é claro, apontar. Mas não há como negar que a sucessão encaixa na perfeição, o que diz coisas sobre as tantas não-coisas a que estamos a assistir. E me parece que é facto a que não podemos fugir, numa via em que cada vez mais derrapamos sem saber onde irá dar. Parabéns (e muitos) a quem realizou esta apresentação.



Nota: o título deste post não se quer ofensivo, ao contrário do que soa à primeira leitura, apenas joga com as palavras que cantam sobre quem nos ofende. E não, evidentemente que não nos ofende quem faz préstimo do seu corpo a quem o procura. Quem nos ofende é quem procura pôr-nos no prelo o corpinho e a alminha que já nem sabemos se temos. :-)



Vejam o vídeo, vejam...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Que não nos Valha o Magalhães!


Ah! E se a mesma pedagogia se declarar obrigatória para aulas de Educação Sexual? Que cantar e que encenar?

Isto é mesmo a macacada…

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Des-Branquear Serralves




Arrogante seria assumir que se traz a esta Via uma verdadeira reflexão sobre o que foi a delícia de escutar, numa proximidade possibilitada pelo discurso com que nos brindou, Judith Butler no branco de Serralves. Com ela se percebeu em carne viva que a reflexão reivindica sempre ser reflectida. Com a sua interrogação do que primitivamente nos escusamos a interrogar, Serralves diluiu o branco nas cores por ela tão singularmente afirmadas como potencialmente infinitas no que fazemos de nós. A percebermos os negros da democracia “democraticamente” imposta dos dias que (não) correm, a nos devolvermos o que em cegueira fingimos enterrar: a vulnerabilidade de nos dizermos globalmente responsáveis em tempos de (teimosíssima) Guerra, em escolhas impossivelmente democráticas, terrificamente mediatizadas, estatalmente infligidas de quem deve ou não aceder ao reconhecimento de si. O discurso continua a levar-nos, com ela, ao sentido do não-sentido que é guerrear, torturar, matar “pela paz”. A fazer de nós os peixes estonteados de uma rede tão assustadoramente emaranhada que dita quem pode e quem não pode ser grievable, para nos ofuscar a necessária consciência generalizada da precariedade. Mais me tocou a serena forma com que acusou que é nesta precariedade que se impõe reconhecer o poder masculinista que impõe a vida e a morte, que a ligação de nós com o “nós” se sujeita assustadoramente a quem emerge ou a quem submerge numa (qualquer) reconhecida existência. Porque, e aqui o coração bateu-me, não há como não ter a realidade de caminharmos num autocarro com quem não conhecemos. Numa estrada que só terá caminho iluminado, mais policromático do que o branco de Serralves, na permeabilidade dos selves, numa identidade cooperante e na sociabilidade. Os búzios do mar em que nos convidou a entrar, assobiaram-me que é no “eu” perdido entre todos os “nós” que, afinal, talvez tenhamos caminho para nos encontrarmos e para que possamos saber quais os nós com que poderão construir-se redes que não nos sufoquem nos seus emaranhados. Duas linhas me sobressaíram ainda no branco do Museu: a da troca com Miguel Vale de Almeida e a da oferenda de António Gedeão por um elemento da plateia que entendi reconhecido por Butler, em oposição ao masculinismo e na adjectivação de wonderful sobre a oferenda. Nada poderia ter sido melhor para comprovar que vive o que profere.

domingo, 12 de outubro de 2008

Sobrevoar em Escuta


Quando ouves, sobes ao céu, desces aos vales da solidão acompanhada, viras e reviras tudo o que julgavas conhecer da vida, dás por ti a esvoaçar as planícies sobre as quais queres pairar mesmo que não saibas o que dali virás a avistar, enches o coração de lembrança e de sonho acordado, lacrimejas na sombra presente do amor que te trouxe até esta prenda, pões-te em causa nas causas que a vida julgou ensinar-te, agradeces a uma deusa tocante a graça que o seu coração lhe sabe reflectir nas mãos, repetes a experiência, questionas se é já um vício, não ressacas se o for, alimentas-te de uma outra forma de alimento, fechas os olhos e, enfim, vês o mundo mais cheio do que aquele em que todos os dias te moves em esquecimento de uma música assim.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Schizoland


Nós devíamos ser a favor, mas somos contra. Somos muito a favor, mas não podemos ser já. Nós devíamos dizer sim, mas por agora temos de dizer não. Nós sabemos que vocês têm que ter os mesmos direitos, mas isso não é coisa de maior importância numa democracia. Que está uma merda e, por isso, a gente acrescenta fedor à merda. Vocês são o fedor e a gente diz que um dia acredita que não sejam, mas não nos levem a mal e entendam-nos: declaramos sim, mas temos que dizer não. Nós somos assim: não somos nada, para fazer de conta que somos tudo. Estamos todos esquizofrénicos, fazemos de conta que não estamos e isso é já uma esquizofrenia. Somos ou não somos um exemplo de democracia? Claro que sim!

(imagem: Adrian Cousins)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Agradecer-Vos


Há que agradecer-Vos, Senhores, pelo 10 de Outubro que prometeis oferecer-nos. A tant@s de nós que ainda vos críamos. Há que agradecer-Vos, por serdes tão grandes que não ousamos sequer alcançar-Vos nas intenções que nos demonstrais. É de todos os passados que se farão as Vossas magnificentes oferendas nesse dia. De todos os passados em que, mesmo repelid@s nos nomes que ousámos dizer, não necessitámos afinal de Vós para os termos ousado. Vireis lembrar-nos de todas as forças que não deixaram de assistir-nos desde que somos quem somos, porque jamais podereis deixar de falar de nós, mesmo que queirais calar-nos. O silêncio e o não, não sei se percebereis, são dizeres menos dignos, mas nem por isso pouco pronunciados. Como pronunciadas foram e são as negações que hoje continuamos a rezar na História e nas histórias. Por isso não ousamos alcançar o que alcançais Vós, que é fingirdes que a História não se inscreveu, que é julgardes decidir sobre o que decidimos nós há tanto tempo, que é pousardes sobre tronos de que nada servem, ao estarem demasiado altos para avistarem as tantas histórias de amor que à História não conseguireis roubar.
É também em todos os presentes que irão recair as Vossas magnificentes oferendas. Nos presentes orgulhos de não sermos como Vós, no orgulho de sermos como queremos que nos queiram, na vergonha da vergonha que nos tendes. Em todos os presentes que nos damos entre nós, quando nos unimos para Vos dizer que persistiremos, como “gentes nem remotas nem estranhas”, mas seguramente como remotas e estranhas a Vós, que remotos e estranhos sois à cidadania que havíeis prometido. Em todos os presentes constituintes de famílias numerosas, ideia que abençoais sem percebê-la, porque famílias enormes somos nós ao fazer do sangue coisa bem menor do que os laços que nos apertam. No coração e na boca que Vos mostramos sem que nos saibais sentir nem ouvir. Estais longe, muito longe, para sentir-nos e ouvir-nos e por isso há que agradecer-Vos quando nos sabemos menores do que Vós, mais tão mais chei@s de vontade de nos legislarmos nas intenções de resistência que nos fortalecem. Há que agradecer-Vos por estamos mais perto de todas as outras realidades que calais, negais ou fingis serem Vossas: as realidades das vergonhas que provocais em quem não considerais. Porque a Vossa cidadania é feita de gente remota e estranha à não-condição humana. O que nos dareis de tão magnificente oferenda é a possibilidade de pensarmos ainda mais do que já temos pensado no que pensarão, ao nosso lado, tod@s os que percebem a vergonha que nos tendes. Tende cuidado, Senhores, com o que ao fazerdes de nós dais de exemplo a outras gentes que nos transportam na pele porque também como não-gentes são tratadas. Dessas outras gentes estamos a falar-Vos sem que nos ouçais, dessas outras gentes deixámos de dizer que são “outras” ou não estaríamos a exigir o que exigimos, que é sermos presentes na presença plural, igualitária e cidadã que como mais pequenos conhecemos e sentimos sem ambicionarmos a Vossa insuficiente grandeza.
De futuro hão-de fazer-se ainda as oferendas que nos reservais. Quando pudermos contar o que deixastes Vós na História desse dia. Digais o que digais, calais o que calais, há-de servir a vossa oferenda para lembrar que mesmo na inquietude Vos lembrastes de nós. Que fracturantes fostes para nos garantireis que inteiros permanecemos. Que de tod@s os que aqui permanecermos não soubestes dar nem conta, nem medida. Porque em tanto negro demorastes sobre o que de há longe era claro: que de Vós tivemos vergonha, sem vergonha de vos arrancarmos a vergonha sobre nós. E que a cidadania não foi Vossa, mas de tod@s os que por ela fizemos. Para sabermos que havia tanto e tão pouco a fazer pelo que fomos, somos e seremos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Ascoroso


Gonçalo da Câmara Pereira. Bastião da Tauromaquia, do marialvismo, do chauvinismo, da labreguice com a "nobreza" e a monarquia de dedo em riste. Triste. Estúpido, mais do que os touros que gosta de pegar. Porque gosta de dizer, com sorriso ascoroso em comentário de programa igualmente ascoroso que "a homossexualidade é doença, se pega, que é, como se costuma dizer, o que pega de empurrão”. Novamente risos em pose tauromáquica a dar cotoveladas noutro palerma chamado Cláudio Ramos, mas que ainda assim conseguiu ser menos palerma do que é costume ao afirmar que não, que não é doença (espanto… ou quem sabe se caminho de real afirmação). Um esterco que mostra que a "verdade" (a deste labrego e a de muitos outros) não compensa. Mais do que isso: faz mal, é perigosa, replica as inclassificáveis reacções que quotidianamente vemos repetidas. Porque, seja a redundância redundante, a "verdade" não é verdade. E é um nojo quando se diz verdade.
Pergunta seguinte: quando é que este esterco de programa é retirado do ar?

PS - Naturalmente, os touros não têm culpa do palermóide do Gonçalo e conseguem ser pintados a rosa, cor que não ficava nada mal ao palermóide. Não bastava era vesti-la, era preciso senti-la.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Com Graça Se (Des)Vagina


Susan Sarandon (...) não apoiou a candidatura de Hillary Clinton por não acreditar que “a resposta seja qualquer vagina, tem que ser a certa”.
Público, 01 de Outubro de 2008