quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Des-Branquear Serralves




Arrogante seria assumir que se traz a esta Via uma verdadeira reflexão sobre o que foi a delícia de escutar, numa proximidade possibilitada pelo discurso com que nos brindou, Judith Butler no branco de Serralves. Com ela se percebeu em carne viva que a reflexão reivindica sempre ser reflectida. Com a sua interrogação do que primitivamente nos escusamos a interrogar, Serralves diluiu o branco nas cores por ela tão singularmente afirmadas como potencialmente infinitas no que fazemos de nós. A percebermos os negros da democracia “democraticamente” imposta dos dias que (não) correm, a nos devolvermos o que em cegueira fingimos enterrar: a vulnerabilidade de nos dizermos globalmente responsáveis em tempos de (teimosíssima) Guerra, em escolhas impossivelmente democráticas, terrificamente mediatizadas, estatalmente infligidas de quem deve ou não aceder ao reconhecimento de si. O discurso continua a levar-nos, com ela, ao sentido do não-sentido que é guerrear, torturar, matar “pela paz”. A fazer de nós os peixes estonteados de uma rede tão assustadoramente emaranhada que dita quem pode e quem não pode ser grievable, para nos ofuscar a necessária consciência generalizada da precariedade. Mais me tocou a serena forma com que acusou que é nesta precariedade que se impõe reconhecer o poder masculinista que impõe a vida e a morte, que a ligação de nós com o “nós” se sujeita assustadoramente a quem emerge ou a quem submerge numa (qualquer) reconhecida existência. Porque, e aqui o coração bateu-me, não há como não ter a realidade de caminharmos num autocarro com quem não conhecemos. Numa estrada que só terá caminho iluminado, mais policromático do que o branco de Serralves, na permeabilidade dos selves, numa identidade cooperante e na sociabilidade. Os búzios do mar em que nos convidou a entrar, assobiaram-me que é no “eu” perdido entre todos os “nós” que, afinal, talvez tenhamos caminho para nos encontrarmos e para que possamos saber quais os nós com que poderão construir-se redes que não nos sufoquem nos seus emaranhados. Duas linhas me sobressaíram ainda no branco do Museu: a da troca com Miguel Vale de Almeida e a da oferenda de António Gedeão por um elemento da plateia que entendi reconhecido por Butler, em oposição ao masculinismo e na adjectivação de wonderful sobre a oferenda. Nada poderia ter sido melhor para comprovar que vive o que profere.

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