quarta-feira, 30 de abril de 2008

Dores


"A dor das mulheres é subvalorizada em relação à dos homens, sendo considerada menos genuína e grave pelos profissionais de saúde, principalmente pelos profissionais do sexo masculino, segundo um estudo do ISCTE divulgado hoje".
Público, 30 de Abril de 2008

Dor maior é também a de se confirmar o que já sabíamos!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Emendar o Quadro


É tão curiosa a pequenez que às vezes desvendamos à vida! Os factos, que tantas vezes recusamos ler mais limpidamente, podem conter toda a imensidão dessa pequenez. Quando jantamos e bebemos envolvidos sob a brisa dos nossos lugares e exigimos tranquilamente que não nos gritem. Quando dançamos envoltos de fumo a respirar a abençoada felicidade, ainda que o peito rebente. Quando nos rimos do que julgámos ser trágico. Quando a amizade volta de uma terra apenas distante na geografia. Quando um ser de olhos ainda tristes sente ter renascido numa cirurgia. Quando, já exaustos do que não nos serve, dormimos porque todas as luzes nos pedem descanso no seu flamejo.
Fazer uma leitura assim dos factos nada tem de inédito. Mas tem o sentido inteiro de que valeu a pena chegarmos até aqui, porque a vida nunca é pequena. Afinal, a única ciência da vida é a descoberta cada vez menos dolorosa do que nela não queremos. Para depois podermos querer euforicamente tudo o resto. Da mesma ciência restará o livro que escreveremos sem necessidade alguma de edição: o livro de nós, de nós que jantamos e bebemos, que dançamos em nuvens mais feitas de amor do que de fumo, que voltamos de outras terras sem nunca termos verdadeiramente partido, que nos sabemos renovados na pele. Ou, o mesmo será dizer, o livro que se enche de parágrafos repletos dos factos que para nós realmente contaram, contam e contarão na vida.
O fundo verde enaltece toda essa imensa pequenez dos factos. Em cor de esperança, sem a qual nunca poderíamos dizer estarmos vivos. Da cor sobre a qual podem dormir seres de tão diferentes formas, ainda que com a expressão da mesma substância. De uma substância recoberta de pormenores que nuca o são, quando pintada a tela da vida e da morte. Pormenores que nos sossegam e abraçam, em que uns de nós se representam mais incapazes de sorrir e de mostrar sossego do que outros.
Apesar de nuvens mais ou menos negras, todos nós, que ali estamos, ainda nos vemos separados da morte. Ainda tombamos, mas para o lado que lhe é contrário. Por isso mesmo, a única coisa que quereríamos emendar no quadro seria a expressão da morte. Mudá-la para sabermos, acima das constelações que o céu nos oferece dia a dia, rirmo-nos tranquilamente dela e fazê-la incapaz de se rir de nós. Depois de guardados todos os pequenos mas imensos factos. Depois do livro bem encadernado.
E só depois de sentirmos que já é tempo para um depois de nós.

domingo, 27 de abril de 2008

Rita Emancipadora


A cantar, a cantar, são ditas as coisas que precisamos, acima de tudo, de preservar nos tempos que correm.

Do melhor material clínico, formativo, pessoal e político-cultural.
Cantemos, todos os dias, como ela.
A desaprovar o que não presta e a enaltecer o que é bom.

Obrigados, Maria Rita.


Maltratar Não É Direito

Moço! Maltratar não é direito / Essa mágoa no meu peito/ Você sabe de onde vem/ Isso é desamor, E não tem jeito! / Um amor quando desfeito, Sempre faz alguém chorar / Eu chorei saudade, Tá doendo/ E lá vem você querendo, Outra vez me maltratar… / Um amor só é bom, Quando é prá dois/ Eterno é antes e depois/ Agora não vou mais me enganar, Não quero mais sofrer, não dá/ Se o teu desejo era me ver, Se deu vontade de saber, Se tô feliz, Até posso dizer que sim/ O teu reinado acabou, Chegou ao fim/ Eu não nasci prá você, Nem você prá mim...

Maria Rita

Samba Meu

quinta-feira, 24 de abril de 2008

De volta a Esther


Judeus e católicos devem trabalhar em conjunto para implementar os valores judaico-cristãos”, diz Esther Mucznic no Público de hoje, na sequência da inauguração do memorial evocativo do massacre em massa aos judeus da Lisboa de 1506.

Não me repugna, em absoluto, o que diz Esther Mucznic: pois que trabalhem, que implementem os valores que quiserem e que possam, de uma vez por todas, entender-se (seja embora eu bastante céptico em relação a tal possibilidade). O que continua a repugnar-me nesta senhora é o facto de nunca se ter justificado em relação às barbaridades massacrantes que proferiu há algum tempo e que me dei ao trabalho de comentar, em uníssono com outras pessoas que muito respeito.
Bom seria, cara Esher, que trabalhassem para que nos ajudassem a perceber que as marchas gay são feitas em prol da retirada das suas (e de outras!) identidades do mais doloroso esconderijo, para que o memorial erguido em Lisboa pudesse também fazer lembrar que o nazismo matou muitos judeus gays, e portanto que se fizesse, acima de tudo, uma “escultura pública” em que todas e todos, mesmo que renunciado a valores religiosos (tão legitimamente como se os aceitarem), possam ter lugar digno no mundo.
Desculpe-me a repetição, mas eu tenho destes orgulhos (sem aspas).

domingo, 20 de abril de 2008

O Menino Quase-Grande


Há um menino que faz hoje anos. É um menino lindo. Sabe ler-me na alegria e na tristeza. Sabe escolher as músicas que mais me enternecem, os livros que mais me ensinam, as fotografias que melhor emolduram a certeza de estarmos vivos. É também menino no docíssimo pestanejar com que cerra as pálpebras, as do rosto e as da alma. O menino que faz hoje anos, promete-se e promete-me nos beijos que me dá e nos que me pede. Houve outro menino que me ensinou que alguns de nós não são pequeninos, são quase-grandes. E é esta a beleza do menino que faz hoje anos: a de teimar em ser quase-grande e em conseguir que eu seja quase-pequenino.

Só nos sobra continuar a trazer aos lábios, ao peito e ao céu que roubamos estes e outros quases.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Volta Celestino, Volta


Escreve-se, em 1946, um texto de que cito alguns excertos. A autoria é de Augusto Celestino da Costa (na foto), um dos investigadores portugueses que o Estado Novo soube não dignificar. 62 anos depois, não é da mesma passiva e intencional censura que vive a Academia? Pensemos! Eu, que já pensei muito, encontrei as palavras de que necessitava para justificar a minha activa zanga com a Academia e a minha assumidamente passiva posição em relação à mesma.
Talvez esteja só (!) à espera que nos civilizemos.
E viva Portugal… não este, mas outro qualquer.


neste país ainda surgem vozes autorizadas – e não falo das outras – contestando mais ou menos abertamente o que eu sempre proclamei como sendo a obrigação da Universidade: criar ciência (…). Outrora, quando o nosso país influía nos destinos do mundo, era com base na ciência do seu tempo e os portugueses concorriam eficazmente para ampliar e acrecsentar essa ciência. Depois, cumprida a nossa missão, postos novos problemas que exigiam outras ciências, já nos não encontramos na primeira linha do combate e deixamos de inventar a física ou a química, de revolucionar a matemática, de desenvolver as ciências naturais e humanas, sem tomar parte nesse grandioso movimento, colocando-se assim Portugal à margem dos que edificam a civilização de hoje (…). Não tem perdão a nossa deserção do combate científico, a falta de contribuição portuguesa para o que há alguns séculos – e hoje mais do que nuca – constitui a preocupação constante nos povos civilizados: essa, de saber fazer ciência e de saber que vale a pena fazê-la”.

terça-feira, 15 de abril de 2008

O Amor é um Nevoeiro


Vejo o amor como nevoeiro e a vida como ensaio de comprovação desta teoria. Há na ideia tanto de belo quanto de indecifrável: vamos caminhando numa neblina que se prenuncia, que se avista de longe mas que sabemos que é inevitável ir-se aproximando de nós. Há faróis que disfarçam a impossibilidade de entrada na névoa, mas também há utópicas histórias que só se engrandecem depois de entrarmos em todos os crepúsculos e em todas as ofuscações a que a neblina, de tão incontrolavelmente tentadora, nos convida. Nunca saberemos como nem porquê entramos no amor, porque nunca saberemos como nem porquê saímos dele. E tanto faz que entrar e sair seja um movimento à procura do mesmo objecto de amor, como um movimento entre objectos diferenciados. Porque a busca é igualmente turva e, sejamos ou não capazes de dizê-lo, necessária a um ar denso que amar transforma em ilusão de leveza. O amor vai ao miolo mais ínfimo dos ossos, entranha-se neles para apertar o coração, humidifica a secura em que insistentemente quisemos enganar-nos. O amor embacia a luz do quotidiano para dar mais brancura à adivinhação de quem amamos. Ficamos aí, nesse labirinto turvo, incapazes de situar a entrada e querendo evitar a saída até à eternidade.
A sorte, se se lembra de nós, ampara-nos na condução do nevoeiro, que por si é já sorte se nele nos deixar entrar. A sorte estende-nos mãos sebastianinas que a (nossa) História reconhece mais pela vida do que pelos livros. Em tempo de ofuscação mais cerrada, duas mãos de mulher abraçaram-me em olhar, outras duas de homem beijaram-me em ternura e tocámos virtuosamente os andamentos. Adagio, essa direcção mais luminosa da vida. Allegro, soando como hino ao nevoeiro. Allegro ma non troppo, que é o farol dando sinais da mais viva pulsação. Vivace, ou o convite a uma dança eterna no nevoeiro que queremos que continue a envolver-nos. Sei que tocámos em uníssono. Que demos ao tempo do encontro todo o torpor de sermos amados. Se tudo isto tiver sido ilusão, cumprimos a função do amor. Que é a de nos agarrar com persistência ao fingimento convicto de não encontrar a saída. Ou de perder cada vez mais a razão da entrada.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Prá Ortiga que o pôs!


Renovamos a vontade de dar o nosso contributo ao bem comum, sem renunciarmos à nossa identidade e diferença e sempre em respeito pela pluralidade confessional e religiosa
D. José Ortiga
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
TV NET, 28 de Novembro de 2007

Vossa Reverência professa:

- que renova o que está cheio de mofo;
- um bem que deixou de me ser comum há muito tempo, por força das circunstâncias pessoais e históricas;
- uma diferença que é muito, muito mais estreita do que a que eu conheço, reconheço e a que tento ser fiel (assim como a outras diferenças que ainda não conheço);
- a pluralidade que conhece, embora negue e ajude a condenar a que não lhe interessa conhecer;
- uma pluralidade que, pelos vistos, tem de ser a confessional e a religiosa, o que não é lá muito plural.


Já agora… veja lá se me explica como é que no meio de tanto bem comum, de tanto respeito e de tanta pluralidade, 25 padres de Braga declaram o salário mínimo mas recebem 800 euros! (reconhece Vossa Reverência no Público de 4 de Abril de 2008).

De minha parte, até prefiro que não explique e vá à Ortiga. A planta nem é feia, mas de traiçoeira tem que chegue. Dá comichão (a mim, tanta que me intoxica), espalha-se que nem chatos e pode provocar doença fatal chamada Ratzinger.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

La Plus Tendre Sagesse


Como só o encontro com M(i)M(i) permitiu.



Plusieures formes, couleurs et parfums ont pris mon rêve de ce que je pensais de l’amour.
Sauf que c’est juste avec toi que j’ais compris la beauté de le vivre au jour le jour.
A toi.

domingo, 6 de abril de 2008

Desinventar


Há rio. Há flores. Há uma brisa que nem sempre sabemos descobrir. Há tantas serenidades possíveis. Há desamores que inventamos para a vida. Há amores que nos ajudam a desinventar. Há barcos que continuam a perpetuar necessárias flutuações. Há dias maravilhosos, mesmo que a tristeza insista em não querer abandonar-nos os olhos. Há quem saiba de tudo isto. Mas mais ainda há quem me ajude a redescobrir todas estas (e mais) coisas.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

De Oito a Ene


São os meses do encanto. São as palavras no ouvido. São todas as coisas ditas e as que falta dizer. São os beijos que não chegam. São as coisas com todas as coisas lá dentro. São os dias da semana em que te procuro. São os lados que parecendo separados se unem. São os dedos de uma mão cheia de três dedos teus. São a tua mão cheia de três dedos meus. São as horas repetidas por três para fazer cada um dos dias que não se repetem. São o caminho para n. São oito porque oito, mas não oito para que não necessitemos de contar.