terça-feira, 15 de abril de 2008

O Amor é um Nevoeiro


Vejo o amor como nevoeiro e a vida como ensaio de comprovação desta teoria. Há na ideia tanto de belo quanto de indecifrável: vamos caminhando numa neblina que se prenuncia, que se avista de longe mas que sabemos que é inevitável ir-se aproximando de nós. Há faróis que disfarçam a impossibilidade de entrada na névoa, mas também há utópicas histórias que só se engrandecem depois de entrarmos em todos os crepúsculos e em todas as ofuscações a que a neblina, de tão incontrolavelmente tentadora, nos convida. Nunca saberemos como nem porquê entramos no amor, porque nunca saberemos como nem porquê saímos dele. E tanto faz que entrar e sair seja um movimento à procura do mesmo objecto de amor, como um movimento entre objectos diferenciados. Porque a busca é igualmente turva e, sejamos ou não capazes de dizê-lo, necessária a um ar denso que amar transforma em ilusão de leveza. O amor vai ao miolo mais ínfimo dos ossos, entranha-se neles para apertar o coração, humidifica a secura em que insistentemente quisemos enganar-nos. O amor embacia a luz do quotidiano para dar mais brancura à adivinhação de quem amamos. Ficamos aí, nesse labirinto turvo, incapazes de situar a entrada e querendo evitar a saída até à eternidade.
A sorte, se se lembra de nós, ampara-nos na condução do nevoeiro, que por si é já sorte se nele nos deixar entrar. A sorte estende-nos mãos sebastianinas que a (nossa) História reconhece mais pela vida do que pelos livros. Em tempo de ofuscação mais cerrada, duas mãos de mulher abraçaram-me em olhar, outras duas de homem beijaram-me em ternura e tocámos virtuosamente os andamentos. Adagio, essa direcção mais luminosa da vida. Allegro, soando como hino ao nevoeiro. Allegro ma non troppo, que é o farol dando sinais da mais viva pulsação. Vivace, ou o convite a uma dança eterna no nevoeiro que queremos que continue a envolver-nos. Sei que tocámos em uníssono. Que demos ao tempo do encontro todo o torpor de sermos amados. Se tudo isto tiver sido ilusão, cumprimos a função do amor. Que é a de nos agarrar com persistência ao fingimento convicto de não encontrar a saída. Ou de perder cada vez mais a razão da entrada.

3 comentários:

Anónimo disse...

O Amor pode ser um nevoeiro ,como um sol radiante.A entrega,o dar-se e receber-se no estado de graça do amor é uma maravilha!Amar,amar é sempre um balsamo para a dureza que por vezes é existir.

Anónimo disse...

O amor é, de facto, uma névoa imensa. Envolve-nos no seu imenso manto e cobre-nos lentamente. Omnipresente.
No nevoeiro nos negamos, nos perdemos. Despimos roupas que há muito já não nos servem (e por vezes nem o sabíamos!) para sermos, de uma vez, apenas nós, um perante um outro.
Por vezes, as nuvens dissipam-se mas muitas persistem. E ainda bem: Não tomemos nunca o amor como uma flor semper viva. Pois nesse dia, se assim acontecer, daremos conta de que já não é do amor o sentimento que vivemos.
MM, Muito Meu Amor

Nuno Santos Carneiro disse...

Ao primeiro anónimo, o agradecimento por ter comentado e, sim, o sol está na minha pequenina teoria contemplado na filtagem do nevoeiro e no alimento à brancura do mesmo. Ao segundo (por ordem de chegada!), a intenção de sublinhar que me concede ao nevoeiro todas as cambiantes cromáticas que o mesmo possa ter. E de que as flores estão vivas, sempre que tão afortunadamente as encontramos no caminho envolvido pela brancura.