terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Rosa Montero




Em tradução livre, um pedacinho de uma maravilhosa forma de encantadamente descrever o encanto da escrita.
Gracias, Rosa.

Há dias em que te sentes tão inspirada, tão repleta de palavras e de imagens, que escreves com uma sensação total de gravidez, escreves como quem sobrevoa o horizonte, surpreendendo-te a ti mesma com o que escreveste: “mas eu sabia isto?”. “Como fui capaz de redigir este parágrafo?”. Às vezes estás escrevendo muito acima da tua capacidade, estás escrevendo melhor do que sabes escrever. E não queres mover-te da cadeira, não queres respirar, nem pestanejar, nem muito menos pensar, para que não se quebre esse milagre. Escrever, nesses raros instantes de leveza, é como bailar com alguém uma valsa muito complicada e bailá-la perfeitamente. Rodas e rodas nos braços do teu parceiro, dando intrincados e formosíssimos passos com os pés alados; e ressoa a música das palavras nos teus ouvidos, e o mundo em redor é um arranhado som de aranhas de cristal e candelabros de prata, de sedas reluzentes e sapatos lustrosos, o mundo é uma vertigem de brilhos e o teu baile está roçando a mais completa beleza, uma volta e outra e continuas sem quebrar o compasso, é prodigioso, com o muito que temes em perder o ritmo, calcar o teu parceiro, ser uma vez mais torpe e humana; mas desejas dar um passo mais, e outro, e talvez outro, voando por entre os braços da tua própria escrita.

Rosa Montero
La Loca de la Casa

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