segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Acreditar a acreditar


Eis que mais uma vez a dupla nos presenteia. De um tão magistralmente desenhado universo que podemos esquecer muitas das coisas más que nele existem. Pierre e Gilles levam-me sempre a um torpor que me delicia, que me emoldura os recantos deliciosos da contemplação da imagem, que nos transforma as categorias de que às vezes nos socorremos para limitarmos os horizontes. Sem género estrito, porque em estritas visões já ele não cabe; sem sexualidades impostas, a não ser que a elas nos queiramos - é de direito - impor na força das imagens; sem humanidade retraída, se os sentidos nos transportarem às mais diferentes iconografias humanas (que, com estes dois senhores, sempre embelezadas foram num império de etéreos). Aos dois devo muita da minha convicção nas convicções que me assistem. Ajudaram-me a crescer acreditando mais na possibilidade de dar beleza ao que me desperta o corpo e alma.
E não falo dos corpos delineados, nem da perfeição provocada aos seus elementos, nem do menino ou do homem escolhido como modelo, nem de vulgares desejos que, mesmo sem Pierre e sem Gilles, são os mais fáceis e menos artísticos que podemos viver. Falo dos universos para lá do universo em que os inscrevem, numa constelação de sonhos que nos tranquilizam e apaixonam. Porque neles gostaríamos, pelo menos num ínfimo instante, de assentar um pé para descansar do mundo. Para olharmos para nós como seres que às vezes gostam de ser retocados.
No campo quotidiano de mensagens tão violentamente esmagadoras da beleza que existe no que é humanamente rico, porque fotografado e retocado nas diferenças que deixam de o ser, mais uma vez são, pois é inevitável, muito, muito bem-vindos. Pelo menos para mim, que acredito no poder que o desfolhar de um livro e o deambular pelas imagens que nele se podem imprimir nos ajudam muito a acreditar a acreditar.

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