Facto é que M(i)M(i) partiu hoje, em viagem de merecidíssimo descanso para terras distantes. São sempre distantes, para quem sente a estreiteza do coração. A alegria foi imensa, como é sempre a de quem ama e se alegra com o que alegra outrem. Mas não deixa de esconder a tristeza da despedida. Que é, por definição, custosa, mas para algumas e alguns de nós mais do que para outras e outros.
E é assim que a parca cidadania que (nem sequer) nos assiste assoma aos olhos lacrimejantes que se fazem, paradoxalmente, tanto da despedida quanto da impossibilidade de a consumar livremente. Defendo, sem qualquer arrogante capa de inédita descoberta, que é aqui que mais falhamos, porque é aqui que mais nos obrigam à contenção: no beijo “apaixonado”, “romântico”, “amoroso” (as designações importam-me bem menos que a substância do beijo). Olhem à volta e digam-me quantos beijos viram ser dados em público nos últimos tempos. Quantos beijos viram ser dados desde que se lembram de ver beijos (vá a vossa memória até onde consiga ir). Digam-me, depois disso, quantos viram ser dados entre não-“normativas” gentes. Não encontro forma melhor de designar estes “outros” que costumam ser os “mesmos”, que são tão repetidamente os mesmos (o plural se encarrega de dar conta do heterossexismo e da "compulsão para a heterossexualidade”) . Não quero, claro está, rebaixar, por um milímetro de existência que seja, a beleza que podem (eu disse: podem) ter os beijos destes “outros mesmos”.
O que eu quero, mas o que eu quero mesmo, é que a mais internalizada democracia (tenho tentado que a expressão seja inédita!) comece pela celebração do beijo entre “outras” e “outros” que não os “mesmos”. Que não tenhamos mais que pedir (não ao gato, mas aos ditos concidadãos) que não nos denunciem, que não nos limitemos às paredes para confessarmos de quem gostamos (ou, mais até, que nem precisemos de confessar). O que eu quero mesmo, mas mesmo, é que o bater do coração não esteja condenado ao silêncio, que o beijo prometido - o meu a M(i)M(i) ou de quem quer que seja a quem quer que seja – não apenas se traga ou se leve, mas que se traga e que se leve como quisermos e não como e/ ou onde pudermos. Que não tenhamos de espreitar por portas encostadas para vermos os beijos, todos os beijos que quiserem ser dados. Sem isto conseguido, não me parece que a cidadania possa alguma vez ser (também) nossa.
Eu só quero, afinal, que as despedidas e os reencontros não nos obriguem a falhar nisto: impedir que o beijo se prenda e encorajar que o beijo se solte.
Porque nada menos que cidadania de TODOS os beijos.
PS1 – a fotografia é escolhida (depois de pela primeira vez a ter visto no elgêbêtê) pela beleza que sempre lhe reconheci, que a trouxe à visão quotidiana na minha sala e não por qualquer enaltecimento classista.
PS2 – gostava muito de perguntar à Catarina Furtado em quem se inspirou para a escrita de tão retratante poema.
PS1 – a fotografia é escolhida (depois de pela primeira vez a ter visto no elgêbêtê) pela beleza que sempre lhe reconheci, que a trouxe à visão quotidiana na minha sala e não por qualquer enaltecimento classista.
PS2 – gostava muito de perguntar à Catarina Furtado em quem se inspirou para a escrita de tão retratante poema.
1 comentário:
E tantos e tantos beijos que ficaram por trocar na partida merecida. Todo o amor que houver nessa vida para dar e receber, privados da liberdade de sermos aceites, vivermos tal como somos. Podermos ser felizes simples mas finalmente. E selarmos a alegria do amor que vivemos com muitos e muitos beijos, e rosas, rosas e rosas. Para ti, Meu Nuno.
Mimi
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