Brüno fez-me rir até às lágrimas. Tanto quanto me levou, como consegue fazer o melhor humor, à introspecção de seríssimas verdades. Brüno foi, para mim, a inusitada experiência de poder rir-me, como nunca, das heterossexualidades. É isso que o filme nos oferece, além de outras sérias paródias e é isso, afinal, que me faz recordá-lo como um momento em que o mundo, felizmente, me foi dado de cabeça virada para baixo. Estou cansado, como estaremos tant@s de nós, de ver gays parodiados, ridicularizados, eleitos como “o assunto”, sem que depois nada aconteça para que se perceba a intenção da paródia, da ridicularização, da eleição singularizada no encarceramento do estereótipo pobre e limitador (que o é sempre, por definição). Não vi em momento algum que este filme padecesse desse mal.
Brüno é tanta gente que conheço, mas que não se conhece como ele próprio é capaz de conhecer-se. É o exasperadíssimo explorador da fama fácil, mediaticamente enxovalhada e enxovalhante; é a orgulhosíssima vítima do mais fácil e insatisfatório materialismo, pisando todos quantos lhe destruam essa vontade; é o banalíssimo sujeito do mundo ridículo em que vivemos, um mundo mais banal do que nós mesm@s; é o passivíssimo receptor das impostas e categoriais vontades sexuais, que por impostas e redutoras serem nada representam de vontade; é o sujeito de uma psicologia que (ainda!) julga ser psicologia quando aconselha que se trate e o força à mais ridícula das encenações do que não consegue ser; é o incessantemente incapaz de ceder aos tratamentos, revertendo-os para quem mais deles precisa quando tenta tratar o que não se trata; é o soldado irritantíssimo para uma tropa cega que nunca foi capaz de encontrar-se nas irritações a que se impôs e que tiranamente impõe; é o pretensiosíssimo adoptante que pretende um
gayby em vez de um
baby. Digam-me, da forma mais sincera, se tudo isto é paródia gratuita e pornográfica (como algumas estreitíssimas e desatentas críticas quiseram defender), ou se é o que estamos a viver, de forma tão perigosa e historicamente tão arrastada que um humor trabalhadíssimo e arrepiante pode trazer-nos à consciência, não pelos disparates cinematográficos mas pelos disparates a que temos assistido – e não em filmes, mas em mundos que julgávamos serem já impossíveis de serem reais! Brüno atira-nos à cara o que precisamos, sem ponta de esquecimento, de ver e de ouvir: um orgulho heterossexualizado que emerge em gritos primatas, em fúrias que nunca sabemos a que ponto podem lesar (lesando sempre, mesmo que nas doses mais subtis), que ensurdece para que outros orgulhos (esses sim necessários, enquanto nos esmagarem) não sejam ouvidos, que se repete todos os dias julgando que essa repetição nos impede que dele nos possamos rir. Brüno faz-nos ver que a fama fácil, que o materialismo, que o ridículo, que as categoriais e impostas vontades, que as fingidas psicologias e as tropas, que os desnorteados ensejos de adopção mascarada de caridade, só infimamente passam pela personagem que protagoniza, porque maximamente se encontram nas personagens que a hegemonia constrói, multiplica exponencialmente, elege como centro da sua ameaçada sobrevivência e como arma de arremesso a tudo o que dela tente fugir. Brüno fez-me sentir inspiradamente livre na gargalhada motivada pela desconstrução inteligentíssima de todo@s aquel@s que, em cada instante, julgam prender-me na convicção das suas “supremacias”. Lembrando-me, na encenação
gay propositada e a meu ver apenas veiculante de significados muitíssimo sérios, que a “supremacia” da fama, do dinheiro, da sexualidade, da falsa ciência, da fandanga tropa e da pseudo-caridade são, pelo menos durante noventa minutos, nada supremas, mas sim possibilidades de nos rirmos sobre o que de sério não têm ou que terão cada vez menos. Lembrando-me que fui capaz de me rir de muito, muito mais do que de uma forma de ser
gay.