sábado, 15 de agosto de 2009

Entre Gay e Queer...





... como já aqui se pode ler em maior extensão e por outras palavras. E como Sérgio Vitorino, que gentilmente cedeu o texto, diz tão acutilantemente.



"Eu não estou para lá da identidade. Desconstruo racionalmente, mas sou homossexual e oprimido como tal, e isso identifica-me. Uma pessoa (hetero ou homo) que não tenha sentido a homofobia na pele pode "entender" isso, mas não pode vivê-lo. E pode declarar que somos todos homossexuais, até é verdade que somos todos directa ou indirectamente alvo da homofobia, mas não pode querer apagar-me a identidade de homossexual, que é minha e não partilhada por si, e que é a pulsão básica que me junta a outras pessoas para lutar contra a homofobia, independentemente de também abraçar outras causas e de também as outras discriminações me mexerem com o sistema, mas não da mesma forma como esta me atinge e como a apreendo no quotidiano".




quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Wie Getz !!!!!?????


Brüno fez-me rir até às lágrimas. Tanto quanto me levou, como consegue fazer o melhor humor, à introspecção de seríssimas verdades. Brüno foi, para mim, a inusitada experiência de poder rir-me, como nunca, das heterossexualidades. É isso que o filme nos oferece, além de outras sérias paródias e é isso, afinal, que me faz recordá-lo como um momento em que o mundo, felizmente, me foi dado de cabeça virada para baixo. Estou cansado, como estaremos tant@s de nós, de ver gays parodiados, ridicularizados, eleitos como “o assunto”, sem que depois nada aconteça para que se perceba a intenção da paródia, da ridicularização, da eleição singularizada no encarceramento do estereótipo pobre e limitador (que o é sempre, por definição). Não vi em momento algum que este filme padecesse desse mal.
Brüno é tanta gente que conheço, mas que não se conhece como ele próprio é capaz de conhecer-se. É o exasperadíssimo explorador da fama fácil, mediaticamente enxovalhada e enxovalhante; é a orgulhosíssima vítima do mais fácil e insatisfatório materialismo, pisando todos quantos lhe destruam essa vontade; é o banalíssimo sujeito do mundo ridículo em que vivemos, um mundo mais banal do que nós mesm@s; é o passivíssimo receptor das impostas e categoriais vontades sexuais, que por impostas e redutoras serem nada representam de vontade; é o sujeito de uma psicologia que (ainda!) julga ser psicologia quando aconselha que se trate e o força à mais ridícula das encenações do que não consegue ser; é o incessantemente incapaz de ceder aos tratamentos, revertendo-os para quem mais deles precisa quando tenta tratar o que não se trata; é o soldado irritantíssimo para uma tropa cega que nunca foi capaz de encontrar-se nas irritações a que se impôs e que tiranamente impõe; é o pretensiosíssimo adoptante que pretende um gayby em vez de um baby. Digam-me, da forma mais sincera, se tudo isto é paródia gratuita e pornográfica (como algumas estreitíssimas e desatentas críticas quiseram defender), ou se é o que estamos a viver, de forma tão perigosa e historicamente tão arrastada que um humor trabalhadíssimo e arrepiante pode trazer-nos à consciência, não pelos disparates cinematográficos mas pelos disparates a que temos assistido – e não em filmes, mas em mundos que julgávamos serem já impossíveis de serem reais! Brüno atira-nos à cara o que precisamos, sem ponta de esquecimento, de ver e de ouvir: um orgulho heterossexualizado que emerge em gritos primatas, em fúrias que nunca sabemos a que ponto podem lesar (lesando sempre, mesmo que nas doses mais subtis), que ensurdece para que outros orgulhos (esses sim necessários, enquanto nos esmagarem) não sejam ouvidos, que se repete todos os dias julgando que essa repetição nos impede que dele nos possamos rir. Brüno faz-nos ver que a fama fácil, que o materialismo, que o ridículo, que as categoriais e impostas vontades, que as fingidas psicologias e as tropas, que os desnorteados ensejos de adopção mascarada de caridade, só infimamente passam pela personagem que protagoniza, porque maximamente se encontram nas personagens que a hegemonia constrói, multiplica exponencialmente, elege como centro da sua ameaçada sobrevivência e como arma de arremesso a tudo o que dela tente fugir. Brüno fez-me sentir inspiradamente livre na gargalhada motivada pela desconstrução inteligentíssima de todo@s aquel@s que, em cada instante, julgam prender-me na convicção das suas “supremacias”. Lembrando-me, na encenação gay propositada e a meu ver apenas veiculante de significados muitíssimo sérios, que a “supremacia” da fama, do dinheiro, da sexualidade, da falsa ciência, da fandanga tropa e da pseudo-caridade são, pelo menos durante noventa minutos, nada supremas, mas sim possibilidades de nos rirmos sobre o que de sério não têm ou que terão cada vez menos. Lembrando-me que fui capaz de me rir de muito, muito mais do que de uma forma de ser gay.

Amores e Lua


Dois anos fazem-se de meses que se desdobram em dias e em horas. Fazem-se das imperfeições e das maravilhosas descobertas do quanto alguém pode representar-nos a perfeição. Que é sempre humana e por isso, pois, inventada no que o coração quer dar-nos de engano à imperfeição. Dois anos são o ventre simbolizado do que dois seres amados querem gerar, do que podem gerar, dos medos que a pouco e pouco querem abortar para que o fruto lhes caia nos braços com um encanto crescente. Dois anos são a vida que cada um pode neles colocar, mas são também a contenção do que não se quer gratuitamente gerado, como um dos dois amantes foi capaz de afirmar. Dois anos são-nos a igualdade, esteja ela em papel ou não, esteja ela sempre no desejo do coração. Dois anos são-nos a diferença, trazida ao seu máximo esplendor na aceitação a que os dois amados se obrigam, à espera de que não se obriguem. Somos assim, nós, estes dois e o que de nós nasce já para além de nós. Somos os dois anos de amor, os vinte e quatro meses de sol e de chuva, os 730 dias de incógnitas diminuídas, as 17520 horas de presença e de ausência tão necessária quanto saudosa e os milhões de minutos que dois anos fazem esquecer como terão sido, sem esquecer que o foram. Porque os homens não são promíscuos se não quiserem (apesar de poderem) sê-lo, porque podem desejar-se ardente e construtivamente, porque casam de muitas maneiras. Mas sempre válidas estas formas todas de casar, se os anos, os dias, as horas, os minutos e os segundos souberem tiritar na vida que um papel nem sempre promete ou consegue honrar, mas que sempre existe em vida como prova mais cabal de que o amor não tem que ter sexo nem género. Perceber isto será, certamente, deixar o mundo (e quem o constrói na melhor das esperanças) no sossego prateado de uma lua como a que hoje, tão cheia, brindou aos anos que quisemos celebrar.