A discriminação positiva é, nisto, assumida: mais do que de outros, gosto tendencialmente de filmes sobre e com mulheres, porque gosto, mais do que de outras, de realidades sobre e com mulheres. Estes filmes são os que contrariam a minha impaciente impulsão para abandonar a sala antes do fim (o cigarro continua a tentar-me descontroladamente quando, não raras vezes, o ecrã não me preenche mais do que o craving). Caramel conseguiu, contudo, levar-me a crer seriamente que não foi a discriminação positiva que me reteve até à última das legendas. Porque mais do que ser feito sobre e com mulheres, é repleto de afectos sem designação saliente de género, idade ou orientação sexual. A comoção foi recorrente, a que talvez a mão que amorosamente apertei no escuro enquanto me esquecia do cigarro tenha ajudado. A retratar a escuridão a que ainda sou obrigado para apertar confortavelmente a mão que me acompanha (no cinema como na vida) e que a torna menos confortável quando as luzes se acendem, está uma destas maravilhosas mulheres. A mulher que, por procurar uma outra que a ame, é acusada de “não gostar de ninguém”, ou não soubéssemos nós, embora Caramel nos avive a memória das dores, que os imaginários colectivos continuam insuportavelmente a querer fazer com que o amor “entre iguais” seja um amor “entre ninguéns”. Caramel sabe mostrar da forma mais sentida, porque subtil, o que são as dolorosas contenções do amor – de uma mulher por outra, de outra por um homem que não a merece, de outra que não suporta o peso do envelhecimento, de outra que retalha uma fingida virgindade para poder casar condignamente, de outra que se destrói na escolha entre o cuidado a uma idosa e o cuidado de se entregar a um amor que a faça amar a si mesma. Com um mínimo aceitável de bom senso, ninguém pode dizer que as razões eminentemente políticas para as contenções aqui filmadas não passam do Líbano. Porque, obviamente, passam por todos os cantos do mundo, mesmo do que se diz civilizado e pacífico, esse mesmo mundo que acusa “distantes” paragens de não alcançar a civilização, mas que raramente produz obras cinematográficas desta beleza e verosimilhança. Pois então que haja discriminação positiva: em relação a mulheres como estas, a mundos “não civilizados” como este, a todas as perdurantes criatividades que nos enriquecem como pessoas, como é o caso de Caramel. Para discriminar negativamente, e de forma implacável, tudo o que nos queira fazer menores, menorização que Caramel brilhante e louvavelmente contraria.
A depilação é apenas mote para tudo o que está antes, durante e depois dela.
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