quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Nossa Rainha


Este ano, Manuela Ferreira Leite aceitou o convite para ser Rainha da Marcha do Orgulho LGBT do Porto. Mesmo estando eufórica pela antecipação do acontecimento, concedeu-me esta entrevista, que tomei a liberdade de vos transcrever.

Porque acedeu, Manela, a ser Rainha da Marcha?
Porque não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações heterossexuais, aceito-as, são opções de cada um, é um problema de liberdade individual sobre o qual não me pronuncio.
Fala sempre no masculino…
Ah sim, tem razão. De facto as mulheres merecem toda a primazia do discurso. Desculpe. Prometo que farei jus à minha condição de Rainha gritando por toda a cidade invicta no feminino, no masculino e no que não cabe nem numa nem noutra destas designações.
Diga-nos, Manela, porque se pronuncia, afinal?
Pronuncio-me, sim, sobre o tentar atribuir o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de duas pessoas de sexo diferente igualmente ao estatuto de pessoas do mesmo sexo.
Mas isso não lhe parece algo homossexista ou algo heterofóbico?
Sim, mas olhe que eu sempre tive estratégia política, como sabe! O que verdadeiramente acontece é que estou cansada do que já todos sabemos: que os heterossexuais não tenham de que queixar-se. Ser Rainha é um privilégio em prol da celebração de quem nunca é reconhecido. Ai desculpe, …, de quem nunca é reconhecida ou reconhecido. Acha que um dia no ano compromete o que as mulheres e os homens heterossexuais conseguiram e mantêm ao longo de tantos séculos?
Não, não, pelo contrário. Isso é, realmente, uma posição política digna de uma Rainha.
É a única posição que me cabe como Rainha! Admito que esteja a fazer uma discriminação homossexista ou heterofóbica, como disse, mas porque é uma situação que não é igual. A sociedade está organizada e tem determinado tipo de privilégios, de regalias e até medidas fiscais no sentido de promover a família heterossexual. Pois se assim é, devemos pensar que o que faz falta é promover o afecto, a adopção e, quem sabe, a procriação, mas apenas desde que desejada, consciente e possibilitada a todas as pessoas independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género. É uma realidade. Chame-lhe o que quiser, mas chame o mesmo nome às pessoas e aos laços que estabelecem e esqueça essa coisa aborrecidíssima de estarmos a falar de homens, de mulheres, de orientações sexuais e de identidades de género. Uma coisa é casamento, outra coisa é qualquer outra coisa. O que significa que todas e todos devem ter acesso a ele e que quem não o quiser deve poder escolher rejeitá-lo. Não deve é deixar de escolhê-lo ou rejeitá-lo por causa de rótulos. Isso está mais ultrapassado do que a minha imagem. Por favor!
Quer dizer mais alguma coisa às pessoas LGBT do país que ambiciona governar?
Quero dizer-lhes que reconhecer o que é óbvio só me traz votos. Só se seu sofresse de uma debilidade mental é que seria incapaz de reconhecer que tudo o que lhe disse só pode beneficiar um político, ai, desculpe, uma política, ainda por cima que se designa social-democrata. Isto é ganhar votos e a minha estratégia política nunca poderia deixar de atender a isso.
Podemos ainda saber como vai vestida?
Estou em crer que me vai ser difícil ter um guarda-roupa à altura das imagens animadíssimas e renovadas que muitas vezes invejei nas Marchas do Orgulho. Naturalmente que se não tivesse aceitado ser rainha, iria vestida com o que tenho, a acompanhar a sobriedade de muitas outras pessoas que também sempre admirei nas Marchas. A ver vamos. Mas é verdade que a pluma está a tentar-me mais do que a governação do país.

Disse à Manela, no final da entrevista, que me senti a mentir. Mas a seguir também lhe disse que ao menos eu sabia que era mentira. Ao contrário de muitas outras pessoas que sabem que não estão a mentir quando dizem as mais bárbaras palavras. Não sei porquê, ficou a pensar nesta minha observação final. Não percebi…

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