quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Carta ao Viegas




Francisco José Viegas escreve. Já o sabemos. Desta vez, contudo, surpreendeu mais do que nunca, ao conseguir (quando comparadas as suas qualidades de pensamento literário com as dela) converter Margarida Rebelo Pinto numa verdadeira e merecidíssima candidata ao Nobel da Literatura.
Tão iluminado por um blogue (porque teve preguiça de ir mais além), diz que " hetero que é hetero nem menciona o facto, limita-se a nem falar do assunto". Mais adiante, repete a ideia. Só que a ela foge de forma " histérica", como apelidou massivammente as reacções (que não entende!) das pessoas LGBT. Depreendo que então "hetero" não possa ser vossa mercê, já que tudo o que escreve – e desde logo aí começa a questão: sentir-se compelido a escrever e a "falar do assunto" - contraria tal inultilidade da afirmação dos "heteros". Francisco, Francisco… olhe que a gente pode não ter recebido prémios da Associação Portuguesa de Escritores, mas (umas vezes pior, outras bastante bem) sabe ler o que vossa mercê profere!
A idiotice que (estando sóbrio?!) reconhece à campanha da Tagus é directamente proporcional às atrocidades que escreve. Diz-nos que a mesma campanha foi "inexplicavelmente" retirada do site – não, não foi inexplicavelmente, querido Francisco, foi por mobilizar pessoas (felizmente) atentas a palavras tão perigosas, chauvinistas, retrógradas (e ainda acha que "há sinais dos tempos"?!) como as suas. Leia mais atentamente a História e verá que foi em ignorâncias como as que nos oferece que os totalitarismos e os genocídios beberam as mais fortes inspirações. Ignorâncias (quase sempre) fingidas por parte de quem se sentava nos tronos para ganhar prémios, materiais ou de outra espécie. Oxalá os seus prémios não nos levem a temer que o seu nome se equipare ao de Hitler.
"Parecer-lhe" que não há ódio não chega: exactamente por isso, por se limitar ao "parecer" sem se esforçar por saber, depois dos prémios que recebeu e dos cargos que ocupa, é necessário que se fundamente. Valia a pena perceber (sabendo, em vez de lhe "parecendo") que não, não somos uma "classe de coitadinhos e de vítimas de tudo e de nada". Afinal, nem temos que ser vítimas de "tudo", porque já somos vítimas de palavras como as suas. Se se queixa que hoje há que "vigiar cada distracção, cada frase mal pronunciada", imagine que queixas temos nós enquanto houver pessoas como você, querido Francisco, ao dizerem coisas assim. Não sei se bebeu demasiada Tagus. Parece - aqui a palavra faz, por decorrência lógica da sua falta de lógica, muito sentido. Mas, mesmo que a tenha bebido (e a gente sabe que tem direito a fazê-lo) nem por isso está perdoado. Escreva, preferencialmente, quando os efeitos nocivos de tais líquidos tiverem já cessado.
Quer ainda parecer-me que Fernando Pessoa ficaria bem pouco orgulhoso (sim: orgulhoso) da sua Direcção na casa que recebeu o nome dele. E estou em crer que o orgulho, como o conhecemos (não como você julga conhecê-lo), é coisa de que o grande vulto não se envergonharia. Se ressuscitar, que não me atraiçoe o poeta nesta crença. Ou, então, desisto do mundo.
Fecha o seu artigo com chave do pior metal, ao ensinar-nos que " precisamos de contar anedotas sobre brancos, pretos, judeus, muçulmanos, gays, machos, mulheres, loiras, morenas, católicos, papas, padres, rabinos, alentejanos, açorianos, portuenses, lisboetas, o que for. Para ver se somos gente normal. Ou se só copiamos os estereótipos politicamente correctos". Fale por si. Ou nem fale. Que isto de "normal" há muito que tem que se lhe diga. E antes o "politicamente correcto" que o "profissionalmente incauto", como bem nos demonstrou que é.
Que o Francisco é muito sorridente já a gente tinha dado por ela. Que precise de pessoas por si assim apelidadas para se divertir e para que o sorriso se lhe crave duradouramente na face é que custa. Vai ver, ainda alguém lhe oferece, à maneira de algumas organizações norte-americanas que se debatem com palavras como as suas, o título de "homossexual honorário". Porque trazer o seu orgulho até nós seria tudo menos "histérico". Apenas uma lição de convívio com as "distracções" que todos os dias, em muitas horas, em muitos lugares nos assomam e às vezes nos matam. Inclusive as distracções da comunicação social. Na qual tem responsabilidades, querido Francisco.

Sem comentários: